PARA CIDADE SPA no sopé da região cafeeira pode não ser o lugar mais provável para encontrar uma revolução no críquete. Mas em um clube de campo em ruínas em Poços de Caldas, uma cidade de 170.000 habitantes, a seleção brasileira está a todo vapor. Música funk irrompe enquanto mulheres em camisas coloridas giram bolas nas redes. Eles param apenas para rir, para checar o bebê de um companheiro de equipe e, quando as nuvens começam a aumentar, para evitar as chuvas de verão. Está muito longe do tipo de críquete que foi jogado pela primeira vez no Brasil na década de 1850. Era então o hobby dos trabalhadores ferroviários britânicos. Hoje é para os brasileiros.
A adoção do críquete no Brasil começou há duas décadas, quando Matt Featherstone, jogador do clube da Grã-Bretanha, percebeu que havia uma versão de rua do críquete chamada tacos. Ele começou a trocar garrafas por tocos e a encorajar as crianças a jogar boliche por cima, não por baixo. Em 2009 tornou-se um programa regular sob a bandeira do Cricket Brasil, que é parcialmente financiado pelo International Cricket Council.
Não foi um sucesso instantâneo. “Não vou jogar essa merda”, foi a resposta de Renata de Sousa quando foi convidada para jogar na adolescência. Mas a camaradagem do jogo conquistou ela e outros. Hoje, um esquema de bolsas de estudos coloca os melhores jogadores na faculdade e no treinamento. Há equipes para cegos e deficientes. Em Poços já há mais crianças batendo bola com taco do que com bota, com mais de 5.000 jogando no total.
Isso é notável não apenas porque eles estão jogando críquete, mas porque estão jogando qualquer coisa. O Brasil pode ser conhecido em todo o mundo por seus corpos de futebol e praia, mas muitos brasileiros são notoriamente antidesportivos. Em uma pesquisa recente sobre hábitos de exercício, os brasileiros ficaram em último lugar entre 29 países, gastando metade do tempo médio mundial em atividade física. Um estudo de 2016 descobriu que seis em cada dez escolas públicas não tinham área de exercício. Em Poços, os jogadores de críquete podem usar alguns dos centros esportivos abandonados da cidade. Mas o resto foi literalmente feito por iniciativa própria, por um carpinteiro local. As bolas são importadas de Bangladesh.
Também é incomum que as mulheres estejam na vanguarda. O Brasil ainda está dividido por estereótipos de gênero, mas eles nunca se infiltraram no pavilhão. Hoje, todos os 14 jogadores profissionais de críquete do país são mulheres, incluindo a Sra. Sousa. Em Poços são celebridades locais. A seleção brasileira sonha em se tornar “a próxima Tailândia”, diz Sra. Sousa. Também não é um país tradicional de críquete, mas melhorou rapidamente e agora possui a 10ª melhor seleção feminina do mundo no formato de um dia (o Brasil está em 28º). A esperança é que um dia o críquete se torne um esporte olímpico, porque assim o fluxo de dinheiro e juros aumentaria.
Nos próximos cinco anos, o Cricket Brasil quer ter 30 mil jogadores na região de Poços. Está construindo uma federação de times que jogam em Salvador, Brasília e São Paulo. “Não tenho dúvidas de que em breve chegará a todo o Brasil”, diz Sérgio Azevedo, prefeito de Poços. Às vezes ele corta fitas em uma camisa de críquete.
O críquete pode nunca receber tanto dinheiro ou adoração quanto a Seleção, o famoso time de futebol do Brasil. Mas em Poços, pelo menos, já venceu o futebol por seis. ■
Este artigo apareceu na seção Américas da edição impressa sob o título “As donzelas do boliche acabaram”