Com o advento da crise do Covid-19, vi alguns artigos discutindo a responsabilidade do Vale do Silício e das startups, bem como os riscos de delegar toda a fabricação na China. Encontrar culpados e soluções mágicas é normal em tempos de crise, mas se queremos ter uma discussão relevante, precisamos tomar algumas precauções. Pensar que o Vale do Silício está sendo muito lento para resolver o problema de Covid é infantil, para dizer o mínimo.
Primeiro, porque acredito que inovação é a mesma. Há uma grande diferença entre criar vacinas e criar satélites. Como podemos esperar que os americanos tenham grande capacidade de criar novas vacinas quando, das maiores empresas farmacêuticas do mundo, apenas uma é americana? O que eles esperam? Que o Google ou Elon Musk criariam uma nova vacina contra gripe?
Num futuro próximo, a contribuição do Vale do Silício (e de startups) pode ser enorme para a medicina. Com a inteligência artificial e o Crispr, teremos mais capacidade de prever e resolver problemas de saúde. Desde soluções econômicas para a detecção de epidemias até a cura do câncer. Sem esquecer a Internet das coisas. Várias pessoas que foram salvas, porque o iPhone alertou para um problema cardíaco, são apenas um exemplo disso.
Mas quando procuramos criar vacinas ou respiradores agora, de relance, não podemos esperar nada diferente. Fabricantes e empresas estão criando rapidamente soluções como respiradores, mas dimensionar essa produção é um problema bem diferente.
E a produção centralizada na China não é exclusiva das startups. Nem as empresas tradicionais. O fato de a China centralizar a produção tem mais a ver com o investimento estratégico do governo para promover esse ecossistema do que com mão de obra barata, como muitos acreditam.
Se nem os Estados Unidos conseguiram manter a produção nacional, imagine em um país como o Brasil que a indústria foi eliminada no século passado. E com a tendência cada vez mais natural de exportar inimigos e demônios, acho importante falar sobre isso. Começando explicando que há muitas discussões envolvidas nesse assunto.
O primeiro é para onde foi o investimento em pesquisa. Há uma grande diferença entre ciência básica e ciência aplicada. Como a ciência básica é imprevisível, era natural que os maiores investimentos fossem em pesquisas que pudessem ser rapidamente convertidas em produtos ou serviços.
Faz sentido que, neste momento, os Estados Unidos possam se dar ao luxo de ter essa discussão. Mas aqui no Brasil não é tão simples, pois nosso investimento em ciência e tecnologia em geral é baixo. Enquanto os Estados Unidos e a China investem cerca de meio trilhão de dólares em pesquisa e desenvolvimento, o Brasil investe cerca de 40 milhões. Somente a Amazon investe metade desse valor.
Portanto, devemos ter cuidado para trazer essa discussão para o Brasil.
Segundo, enquanto você pode se dar ao luxo de discutir a cultura de startups e o Vale do Silício, aqui devemos nutrir essa cultura primeiro. Precisamos entender rapidamente que as tecnologias exponenciais terão um grande impacto na geração de PIB e empregos. É por isso que precisamos mais do que nunca revolucionar a educação e promover o empreendedorismo.
Para fazer isso, teremos de acabar com a burocracia excessiva, a corrupção generalizada, a educação precária e desatualizada, a legislação restritiva e os impostos que são altos e complexos demais.
Alguns diriam que precisamos primeiro resolver a economia. No entanto, a economia que não administra é uma causa, mas também uma conseqüência, portanto devemos enfrentar esses problemas agora. O mesmo vale para empregos. O empreendedorismo é a nossa principal arma nesta batalha.
Discutir sobre as pessoas nas ruas é apenas uma cortina de fumaça. A solução para a crise iminente é muito mais complexa. Enquanto em casa, os três poderes podem e devem se concentrar nas reformas.