Quanto tempo isso vai durar?
Em termos de relações externas, o “ontem” do Brasil também persiste hoje. Sua ajuda à América Latina e à África e aos organismos internacionais continua, embora não nos níveis alcançados no apogeu de Lula. globalismo, de 2003 a 2013. Como a maioria dos outros doadores, o Brasil usou a maior parte de sua ajuda para ajudar suas empresas a penetrar em novos territórios. Em Angola e Moçambique, por exemplo, as gigantes de mineração e infraestrutura Odebrecht e Vale tornaram-se protagonistas graças à enérgica diplomacia Sul-Sul de Lula e ao uso do BNDES como veículo de ajuda.
Quanto ao multilateralismo, Bolsonaro o denunciou. Mas, como dizem os holandeses, a sopa nunca é comida mais quente do que quando é servida. De fato, seu governo está mostrando crescente entusiasmo pelas principais agências multilaterais. Ele está trabalhando duro para ganhar a admissão do Brasil naquele ex-conclave de elite da OCDE. Em Washington DC, o ministro das Finanças de Bolsonaro exortou o FMI a intervir com mais força nos assuntos dos países membros. Para Bolsonaro, a Organização Mundial do Comércio deve ser fortalecida e a cooperação entre os BRICS deve ser aumentada. Você pode denunciar as Nações Unidas, mas seu governo continua e, de fato, intensificou seu envolvimento com várias agências da ONU.
Será que toda a torção de mão sobre o repúdio de Bolsonaro ao multilateralismo será exagerada? É verdade que seu governo, irritado com o pessimismo público do FMI sobre as perspectivas econômicas do Brasil, pediu que o FMI fechasse seus escritórios no Brasil em 2022. Mas de muitas outras maneiras, o Brasil continua seguindo as ortodoxias da ordem multilateral estabelecida.
As relações do Brasil com o Pentágono e os produtores de armas norte-americanos, por exemplo, nunca estiveram em sério risco. Sob Lula, os laços militares foram formalizados e ampliados. Hoje os relacionamentos estão melhores do que nunca; em 2019, Trump deu ao Brasil o status formal de “grande aliado não-OTAN”, permitindo que ele comprasse produtos americanos e licitasse alguns contratos de defesa americanos. As corporações brasileiras continuam exportando armas, às vezes violando o Tratado Internacional de Comércio de Armas, que, contra as objeções do então deputado Bolsonaro, o Brasil ratificou em 2018.
Em relação à China, por outro lado, Bolsonaro colocou à prova as relações com Washington. Ao se tornar presidente, ele abandonou seu discurso anterior contra a China. Atendendo aos interesses do agronegócio e outros interesses corporativos, ele fez dos laços comerciais e de investimentos do Brasil com a China uma prioridade. Hoje, como ontem, o Itamaraty deve buscar um equilíbrio entre os interesses das elites nacionais (além de seus vizinhos às vezes) e os interesses das elites poderosas que dirigem a política em Washington. Diante da busca por autonomia e da exaltação dos laços Sul-Sul, diplomatas ocidentais zombam do Brasil por se aproximar quando estão em jogo questões importantes para as potências ocidentais. À medida que a bateria dos EUA sobre a China se intensifica, com ou sem Bolsonaro, o Brasil enfrentará pressão para entrar na linha.
Finalmente, o poder brando do Brasil é evidente em muitas partes do mundo, inclusive na Europa. Aqui, graças em parte a uma vibrante diáspora brasileira, as pessoas se reúnem para ouvir chora e samba, para devorar ensopado de feijão, maravilhe-se com a fotografia de Sebastião Salgado e curta o cinema e a literatura brasileira. No entanto, o Brasil também apresenta outro tipo de soft power. Articuladas por figuras como Paulo Freire e João Pedro Stédile do MST, o movimento dos trabalhadores sem terra, são ideias e práticas para promover o poder de baixo.
Movimentos brasileiros, organizações ativistas e lideranças municipais há décadas demonstram enorme criatividade e coragem em testar e produzir essas ideias. Práticas como ‘orçamento participativo’ podem não funcionar perfeitamente, mas me parecem ser exportações muito mais lucrativas do que soja, armas, madeira de lei e petróleo.
Este artigo foi originalmente publicado com um título diferente pela CartaCapital e republicado com permissão. leia o original aqui.