RIO DE JANEIRO (AP) – O regulador ambiental do Brasil rejeitou uma licença para um controverso projeto de perfuração de petróleo perto da foz do rio Amazonas, que atraiu forte oposição de ativistas que alertaram sobre seu potencial de prejudicar a área.
O presidente da agência, Rodrigo Agostinho, destacou as preocupações ambientais ao anunciar na noite de quarta-feira a decisão de rejeitar o pedido da estatal Petrobras para perfurar o bloco FZA-M-59. Ele citou “um grupo de inconsistências técnicas” no pedido da empresa.
Com a produção existente do Brasil chegando ao pico nos próximos anos, a Petrobras procurou garantir mais reservas na costa norte do Brasil. A empresa destinou quase metade de seu orçamento de exploração de US$ 6 bilhões para cinco anos para a área e, em um comunicado na quinta-feira, disse que apresentaria um pedido oficial para que a decisão fosse reconsiderada.
O presidente-executivo Jean Paul Prates havia dito que o primeiro poço seria temporário e que a empresa nunca registrou vazamento em perfuração offshore. A empresa não conseguiu convencer o órgão ambiental.
“Não há dúvida de que foram oferecidas à Petrobras todas as oportunidades para sanar pontos críticos de seu projeto, mas que ainda apresenta preocupantes inconsistências para a operação segura em uma nova fronteira exploratória com alta vulnerabilidade socioambiental”, escreveu Agostinho em sua decisão.
A área única e biodiversa abriga faixas de manguezais pouco estudadas e um recife de coral, e ativistas e especialistas disseram que o projeto arriscava vazamentos que poderiam ser arrastados pelas marés e colocar em risco o ambiente sensível.
Oitenta organizações ambientais e da sociedade civil, incluindo WWF Brasil e Greenpeace, pediram que a licença fosse rejeitada e aguardasse um estudo aprofundado.
Caetano Scannavino, coordenador da Salud y Alegría, organização amazônica sem fins lucrativos que apoia projetos sustentáveis na bacia do Tapajós, parabenizou Agostinho no Twitter “por não ceder à pressão, pedir mais estudos e priorizar a ciência a serviço do coletivo. ”
“É uma região sensível, pouco estudada e não há como voltar atrás para nenhum erro”, acrescentou Scannavino. “Sem mencionar a promessa do governo de um futuro descarbonizado.”
O Observatório do Clima, rede de organizações ambientais sem fins lucrativos, também aplaudiu a decisão, afirmando em nota que “Agostinho está protegendo um ecossistema praticamente desconhecido e mantém a coerência do governo Lula, que prometeu em seu discurso pautar-se por a luta contra a crise climática”.
Durante os primeiros mandatos presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva, de 2003 a 2010, as grandes descobertas em alto mar tornaram-se um meio para financiar programas de saúde, educação e assistência social. Alguns membros de seu Partido dos Trabalhadores continuam a ver o petróleo como um meio de garantir o progresso social.
O ministro da Energia, Alexandre Silveira, disse em março que a área é o “passaporte para o futuro” para o desenvolvimento da região Norte do Brasil. Em seus mandatos anteriores, Lula usou a mesma frase para descrever as descobertas de petróleo offshore em uma área conhecida como pré-sal.
Mas Lula tem se esforçado para demonstrar o despertar ambiental que experimentou nos anos seguintes, com a proteção da Amazônia como elemento de sua campanha no ano passado para derrubar Jair Bolsonaro e retornar à presidência.
Ativistas e especialistas alertaram que a aprovação do projeto de petróleo offshore pode ameaçar o mundo natural, mas também prejudicar a nova imagem de Lula como defensor do meio ambiente.
O processo de obtenção da licença ambiental do bloco FZA-M-59 teve início em 2014, a pedido da BP Energy do Brasil. Os direitos de exploração foram transferidos para a Petrobras em 2020.
Suely Araújo, ex-diretora do órgão ambiental e hoje especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, disse que Agostinho acertou não só para o projeto específico, mas também para o país.
“A decisão neste caso suscita um debate mais amplo sobre o papel do petróleo no futuro do país. É hora de estabelecer um cronograma para eliminar os combustíveis fósseis e acelerar a transição justa para países exportadores de petróleo, como o Brasil, e não abrir uma nova fronteira de exploração”, disse Araújo em comunicado. “Aqueles que dormem hoje sonhando com a riqueza do petróleo tendem a acordar amanhã com um ativo ocioso, um desastre ecológico ou ambos.”
Nem todos os aliados de Lula ficaram felizes. O senador Randolfe Rodrigues, militante do partido Rede Sustentabilidade e líder do governo no Congresso, disse que a decisão priva a população de seu estado natal, o Amapá, do tão necessário desenvolvimento e vai contra pesquisas realizadas no estado. local de perfuração proposto.
“Vamos reunir todos nós que queremos o desenvolvimento sustentável do Amapá, para que tecnicamente, legalmente e com responsabilidade possamos lutar contra essa decisão”, escreveu Rodrigues no Twitter.
Ele anunciou que deixaria o partido de centro-esquerda, do qual a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é uma das principais lideranças. Ele nomeou Agostinho para chefiar o regulador ambiental.
Em seu comunicado, a Petrobras disse acreditar ter seguido rigorosamente todos os requisitos de licenciamento, lembrando que a perfuração proposta, na área conhecida como Margem Equatorial, foi proposta para uma área de mais de 500 quilômetros (mais de 300 milhas) da foz do rio Amazonas.
“A empresa segue comprometida com o desenvolvimento da Margem Equatorial Brasileira, reconhecendo a importância de novas fronteiras para garantir a segurança energética do país e os recursos necessários para uma transição energética justa e sustentável”, diz o comunicado. “Para suprir a demanda futura de petróleo do Brasil, o país terá que buscar novas fontes além do pré-sal.”
Outros megaprojetos polêmicos na Amazônia que permanecem na mesa incluem o recapeamento de uma rodovia que cortaria a floresta tropical preservada, a construção de uma grande ferrovia para transportar grãos e a renovação da licença para uma gigantesca hidrelétrica.
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A jornalista da Associated Press Eléonore Hughes no Rio de Janeiro contribuiu para este relatório.