SÃO PAULO – Um projeto de lei que visa aumentar a responsabilidade da Big Tech para evitar a disseminação de desinformação gerou um debate acalorado no Brasil e também dividiu os católicos, no país com a maior população católica do mundo.
Apresentado em 2020, o chamado “fake news” é apoiado por aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso e tem sido fortemente repudiado por partidários do ex-presidente conservador Jair Bolsonaro.
O projeto de lei exige que as grandes plataformas digitais devem “prevenir e mitigar práticas ilegais no campo de seus serviços”.
A legislação atual não responsabiliza empresas de tecnologia, como plataformas de mídia social, por espalhar desinformação postada por usuários. O novo projeto estabelece que as empresas de internet que não contiverem a disseminação de conteúdo criminoso serão multadas e processadas por suas ações.
A oposição, principalmente parlamentares ligados a Bolsonaro, dizem que o projeto imporia censura no Brasil. Eles argumentam que o Partido dos Trabalhadores de Lula, uma organização de esquerda, quer aumentar seu controle sobre a sociedade e implantar uma ditadura na nação sul-americana.
Para os apoiadores de Lula, a aprovação do projeto no Congresso é um passo importante. Durante o mandato de Bolsonaro, a mídia social foi inundada com conteúdo enganoso sobre vários tópicos, desde os supostos riscos das vacinas COVID-19 até a falta de confiabilidade das supostas urnas eletrônicas.
Essas postagens mantiveram o eleitorado de Bolsonaro mobilizado e ativo nos fóruns da Internet.
Muitos acreditam que os milhares de manifestantes pró-Bolsonaro que invadiram prédios do governo em Brasília em 8 de janeiro e tentaram um golpe foram, em grande parte, motivados por essa desinformação baseada na Internet.
No início deste mês, um grupo de movimentos católicos divulgou uma carta pública para mostrar seu apoio ao projeto de lei “Fake News”. A carta foi assinada pela Signis Brasil (Associação Católica para a Comunicação), pela Pastoral das Comunicações da Conferência Episcopal (PASCOM), pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz e por outros grupos católicos.
O documento recorda que outros países aprovaram legislação para regulamentar publicamente as plataformas online, algo “que é essencial para o pleno exercício da democracia e para o combate à criminalidade, ao discurso de ódio e à desinformação”.
O projeto de lei brasileiro é inspirado na Lei Europeia de Serviços Digitais, aprovada no final de 2022.
“Garantir a transparência nos processos e mecanismos de prestação de contas [the spreaders of] conteúdo malicioso não é censura, como disseram os opositores do projeto de lei”, dizia a carta, acrescentando que uma entidade independente deveria ser criada para monitorar “o cumprimento dos regulamentos, iniciar procedimentos administrativos e impor sanções”.
O documento também enfatizou que “o projeto de lei não põe em risco a liberdade religiosa”. Vários parlamentares têm declarado nas redes sociais que faz parte do plano do governo censurar publicações religiosas na internet.
“Essa é uma proposta muito necessária. A Internet não possui um órgão regulador e se tornou um espaço sem lei. As pessoas fazem o que querem e ninguém é responsabilizado”, disse Alessandro Gomes, que dirige a Signis Brasil. Crux.
A discussão do projeto de lei reacendeu mais uma vez a polarização política vivida no Brasil durante a campanha presidencial do ano passado, que terminou com a derrota estreita de Bolsonaro para Lula. Muitos dos apoiadores do ex-presidente veem a proposta como uma vingança contra ele e uma forma de criminalizar seu ativismo.
“Ele realmente agiu como um mentiroso em muitas ocasiões, como quando postou notícias falsas de que a ivermectina e a cloroquina eram eficazes contra o COVID-19. Mas isso não é sobre ele, existem pessoas comuns espalhando mentiras nas redes sociais todos os dias”, disse Gomes.
As notícias falsas também trouxeram divisão para a Igreja, disse Marcus Tullius, coordenador geral da PASCOM.
“No mundo religioso, a desinformação é especialmente prejudicial. As rachaduras são contrárias à lógica do Evangelho. Mas eles têm afetado todos os segmentos da Igreja”, disse ele. Crux.
O clero e os leigos espalharam continuamente notícias falsas e discurso de ódio, afirmou Tullius.
“Se um líder pastoral ou um ministro enviar uma notícia falsa a um membro da comunidade, a pessoa que confia nele por motivos religiosos não a verificará antes de compartilhar seu conteúdo. Isso é perigoso”, disse.
Embora a maioria dos grupos da Igreja tenha apoiado o projeto de lei, os católicos tradicionalistas têm divulgado suas críticas nas últimas semanas e esperam que a lei não seja aprovada.
Inicialmente previsto para ser votado no início de maio, o projeto foi retirado da pauta da Câmara dos Deputados porque seus proponentes perceberam que não teriam votos suficientes para aprová-lo.
Na opinião de Frederico Viotti, porta-voz do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira – organização católica tradicionalista com origem no movimento Tradição, Família e Propriedade –, o projeto de lei pode resultar na classificação da moral católica como “fake news” .
“Em nome do combate à desinformação, muitas opiniões, especialmente as conservadoras, foram rotuladas como ‘notícias falsas’”, disse Viotti. Crux.
Ele argumentou que as noções de desinformação e discurso de ódio são muito amplas no Brasil agora e podem incluir até mesmo as ideias de católicos que são contra coisas que consideram pecados, como homossexualidade e aborto.
“Claro, ninguém é a favor da desinformação. Mas um projeto de lei como esse não deveria funcionar como instrumento de censura”, acrescentou Viotti.
O projeto de lei “Fake News” está sendo alterado e algumas de suas medidas, incluindo uma cláusula sobre pagamento por grandes empresas de tecnologia por conteúdo protegido por direitos autorais, podem ser incluídas em projetos de lei separados. Nas próximas semanas, pode haver outra tentativa de aprovar o projeto.
“Quem defende fake news não está defendendo o Evangelho de Cristo. Espalhar mentiras é contrário à nossa missão na Terra”, disse Gomes.