O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu o comandante do Exército brasileiro no sábado, duas semanas depois que uma multidão negando eleições leais a seu antecessor de extrema-direita saqueou os corredores do poder em Brasília.
O afastamento do veterano esquerdista Júlio César de Arruda, confirmado à AFP por fontes militares, aconteceu um dia antes de Lula fazer sua primeira viagem ao exterior, para a Argentina, na tentativa de recolocar a potência sul-americana no cenário internacional.
Arruda assumiu o comando em 30 de dezembro, dois dias antes do fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro, e foi confirmado pelo governo Lula no início de janeiro.
Lula teve sua primeira reunião com o alto comando de seu exército na sexta-feira. Nenhum dos participantes fez uma declaração depois. Lula retirou várias dezenas de soldados de seu destacamento de segurança após os tumultos.
Em 8 de janeiro, apoiadores de Bolsonaro saquearam o palácio presidencial, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso em Brasília, quebrando janelas e móveis, destruindo obras de arte de valor inestimável e deixando pichações pedindo um golpe militar.
Lula disse suspeitar que as forças de segurança possam estar envolvidas nos distúrbios, nos quais mais de 2.000 pessoas foram presas. O presidente de esquerda anunciou uma revisão de seu ambiente imediato.
O ministro da Defesa, José Mucio, disse após o encontro de sexta-feira com Lula e os chefes militares que não houve envolvimento direto das Forças Armadas.
Na quarta-feira, o homem nomeado sábado como novo chefe do Exército, Tomás Ribeiro Paiva, até agora chefe do comando do Exército do Sudeste, prometeu que os militares “vão continuar a garantir a democracia”. E sugeriu que sejam aceitos os resultados das eleições de outubro, nas quais Lula derrotou Bolsonaro.
No domingo, Lula viaja para a Argentina, primeira escala habitual dos brasileiros
presidentes No entanto, além da tradição, a viagem também permitirá que ele se encontre com um fiel aliado, o presidente Alberto Fernández, bem como com homólogos regionais na cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).
“O Brasil está de volta”, prometeu Lula na noite de sua vitória em 30 de outubro contra Bolsonaro, cujos quatro anos de mandato foram marcados pelo isolamento internacional do Brasil.
“Todo mundo quer falar com o Brasil”, disse Lula esta semana em entrevista à TV Globo, prometendo reatar os laços de Brasília com a comunidade internacional.
A América Latina é apenas a fase inicial de sua investida internacional, com a visita do chanceler alemão Olaf Scholz em 30 de janeiro e Lula indo a Washington para se encontrar com seu colega americano Joe Biden em 10 de fevereiro.
A prioridade de Lula é “reconectar-se com a América Latina” depois que os laços com os vizinhos da região foram “relegados a segundo plano”, disse à AFP João Daniel Almeida, especialista em relações exteriores da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro.
Lula chega a Buenos Aires no domingo e se encontrará com Fernández no dia seguinte. O líder argentino de centro-esquerda já viajou ao Brasil para um encontro bilateral, realizado no dia 2 de janeiro, um dia após a posse de Lula.
A expectativa é que a discussão inclua comércio, ciência, tecnologia e defesa, disse o Itamaraty.
O líder brasileiro de 77 anos também pode se reunir na terça-feira em Buenos Aires com vários homólogos de esquerda: o cubano Miguel Díaz Canel e o venezuelano Nicolás Maduro, com quem Brasília normalizou recentemente as relações, que participarão de uma cúpula regional.
Sob Bolsonaro, o Brasil foi um dos 50 países que reconheceram o principal oponente de Maduro, Juan Guaidó, como presidente interino do país.
Em Buenos Aires, a cúpula da CELAC pretende reunir mais de 30 estados da região. Lula, que cumpriu dois mandatos anteriores como presidente, de 2003 a 2010, foi um dos fundadores do grupo, formado quando a chamada “maré rosa” de governos de esquerda tomou conta da América Latina.
Com uma série de líderes de esquerda recentemente chegando ao poder, o mapa político da região, em constante oscilação, mais uma vez se assemelha ao do início dos anos 2000.
Bolsonaro, um duro crítico da esquerda, suspendeu a participação do Brasil na Celac, alegando que o órgão “deu importância a regimes não democráticos como os da Venezuela, Cuba e Nicarágua”.
Tampouco conseguiu estabelecer laços calorosos com Argentina, Bolívia, Chile e Colômbia, onde a esquerda chegou ao poder.
O especialista em relações exteriores Almeida disse que Lula quer “priorizar a cooperação econômica” na região.
Lula também manifestou interesse esta semana em uma política regional para a preservação da Amazônia, enquanto a comunidade internacional aguarda mudanças políticas após o sólido histórico de aumento do desmatamento de Bolsonaro.