“Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”, disse o astrônomo e comunicador científico Carl Sagan.
Esta semana, a notícia se espalhou redes sociais e canais de notícias: a NASA teria descobriu um universo paralelo, onde o tempo correria para trás. Parece fantástico, não é? Talvez seja realmente uma fantasia. Vamos aos fatos.
O experimento Anita (não o cantor, mas a Antena Transiente por Impulso na Antártica) foi criado para detectar ondas de rádio produzidas pela passagem de neutrinos pela Terra. Alguns anos atrás, ele descobriu um sinal que parecia vir do solo, e não do céu, e isso foi visto novamente em 2020. Isso pressupõe que as partículas mais energéticas cruzariam o planeta, o que está em desacordo com os modelos teóricos.
O resultado é realmente surpreendente e pode significar uma nova física, uma nova partícula que não conhecemos bem. Pode também ter origem em objetos astronômicos pouco conhecidos, ou pode até ser um erro instrumental.
Mas há uma área da física que estuda a simetria de partículas: algumas têm cargas positivas e outras têm cargas negativas, partículas de matéria e antimatéria, e assim por diante. Em um caso muito extremo, esse resultado pode estar relacionado a um universo com simetria temporal. Mais ou menos como o tempo andando para trás.
Veja bem, essa é a hipótese menos provável e mais exótica. Não é um consenso nem é o mais aceito pelos próprios cientistas para explicar os resultados do experimento. Mas é, sem dúvida, o que mais chama a atenção nas manchetes dos jornais. Pior ainda, o que era uma hipótese remota se transformou em uma “descoberta”.
Eu já vi isso acontecer antes. O experimento BICEP2 teria visto evidências de um universo inflacionário. Pior ainda, o asteróide interestelar Oumuamua poderia ser uma espaçonave guiada por alienígenas. Documentos que a própria comunidade científica negou rapidamente, mas não sem causar problemas na imprensa.
O grande problema, na minha opinião, é a confusão gerada pelo jornalismo científico realizado sem cuidado. Devido a um problema de comunicação e à falta de iniciativa da própria comunidade científica, o público tem dificuldades em diferenciar resultados sólidos do consenso acadêmico. E descobertas reais e inovadoras, como a fotografia de buracos negros ou a detecção de ondas gravitacionais, são colocadas em pé de igualdade com especulações excêntricas.
Precisamos comunicar o processo científico ao público. A sociedade paga pelo nosso trabalho e tem o direito de participar do processo de descoberta. Mas devemos ser responsáveis neste diálogo, para que essa participação seja informada, ou a sociedade estará à mercê de notícias falsas ostensivo. Isso é verdade tanto para universos paralelos quanto para estudos clínicos sobre medicamentos importantes.
Afinal, especialmente em tempos de pandemia, é essencial distinguir o consenso científico do sensacionalismo da mídia.