Este é o sétimo de uma série de sete partes destacando a recente publicação de uma edição especial da International Forestry Review com foco na pesquisa do CIFOR.
Os estados brasileiros do Acre e Mato Grosso não poderiam ser mais diferentes. O Acre, um pequeno estado localizado no ponto mais ocidental do país, está inserido na Amazônia brasileira. A falta de estradas principais torna o acesso notoriamente difícil. “Há uma piada entre os brasileiros que o Acre não existe”, disse Jazmín Gonzales Tovar, pesquisador do Centro de Pesquisa Florestal Internacional (CIFOR). “É tão isolado geograficamente.”
O Mato Grosso, por outro lado, está localizado próximo ao centro do país e é o terceiro maior estado. Embora a maior parte do Mato Grosso, que significa “vegetação rasteira” em português, seja dominada pela Amazônia, sua capital, Cuiabá, é uma metrópole e um movimentado centro de viagens. Além disso, o estado é considerado a capital brasileira do agronegócio.
Quando esses dois estados começaram a mapear e planejar seus territórios, eles usaram os mesmos regulamentos e processos nacionais. Ambos seguiram uma exigência federal de usar um fórum de múltiplas partes interessadas (MSF) para o planejamento de terras. O objetivo: desenvolver um mapa que divida o estado em categorias de uso do solo, orientar os usos do solo e promover a sustentabilidade do território.
O mesmo mecanismo de planejamento territorial gerou processos e resultados muito diferentes, com o Acre cumprindo o projeto de 1999 a 2007 e o Mato Grosso completando um mapa, mas ainda lutando para obter aprovação depois de quase duas décadas.
Para entender o que deu errado e o que funcionou, Gonzales Tovar esteve no Acre e no Mato Grosso de 2016 a 2018 para estudar esses dois casos. Em seu estudo, publicado recentemente no Revista Florestal Internacional, revela como as elites políticas, sociais e econômicas podem levar os processos de planejamento territorial a ecoar suas próprias agendas.
Um mapa não é apenas um mapa
O governo militar do Brasil mapeou a região amazônica do país entre as décadas de 1970 e 1980, sem a participação da sociedade civil. No entanto, a transição do país para a democracia no final da década de 1980 e as pressões internacionais para reduzir o desmatamento na Amazônia levaram à regulamentação do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) a partir da década de 1990.
As SEZs foram introduzidas como uma ferramenta política para organizar territórios e orientar a tomada de decisões em direção ao uso sustentável e inclusivo da terra. Os regulamentos exigiam que as ZEEs fossem desenvolvidas e implementadas por meios participativos, como uma comissão de múltiplas partes interessadas.
O estudo de Gonzales Tovar confirma que o planejamento espacial e o mapeamento não são esforços puramente técnicos. “As pessoas muitas vezes pensam que é tão simples quanto obter dados e, em seguida, construir mapas”, disse ele. “Mas os SPS para o planejamento territorial são espaços altamente políticos, então os mapas não são cem por cento técnicos.” Na verdade, alerta, “as informações consideradas técnicas podem ser uma forma de ignorar as prioridades de determinados grupos e diferentes realidades vividas”.
Dada a natureza política do planejamento de terras com múltiplas partes interessadas, Gonzales Tovar examinou como a composição e o caráter dos MSFs do Acre e do Mato Gross impactaram suas SEZs.
A história da conservação da floresta do Acre produz um mapa dos sonhos
A localização e o isolamento do Acre do resto do Brasil moldaram a história, os objetivos e a política do estado. Entre o final dos anos 1970 e 1980, os povos indígenas do estado e outras populações e grupos de base que dependem das florestas resistiram às invasões, protegeram a floresta e regularizaram seus direitos à terra.
Esses processos também desaceleraram a expansão do agronegócio no estado. Como resultado, o Acre mantém áreas florestais bem preservadas e estabeleceu terras indígenas e unidades de conservação. No Acre, os povos indígenas e locais puderam depender dos recursos florestais para sua subsistência. “Acre reteve cerca de 90 por cento de suas florestas”Gonzales Tovar disse.
Desde o final dos anos 1990, a política do Acre foi impregnada do ideal da florestania, um termo local para cidadania da floresta. O governo do Acre concebeu seu mapa ZEE como um mapa dos sonhos promovendo a florestania e o desenvolvimento sustentável com base na floresta como parte de um pacto social para superar os conflitos do passado e reconhecer os direitos dos povos historicamente marginalizados, dando a todos os atores do uso da terra vozes iguais na construção uma visão para o futuro.
Sua comissão SEZ era composta pelo governo estadual e federal, agências de pesquisa, organizações de pequenos trabalhadores ou agricultores, empresas, organizações indígenas e organizações não governamentais (ONGs).
O governo do Acre e várias partes interessadas apoiaram totalmente a política para SEZ e Florestania. As entrevistas de Gonzales Tovar revelaram que a maioria dos membros da comissão mantinham boas relações entre si; a maioria não se sentiu ameaçada pela experiência técnica de especialistas do governo e os viu como colaboradores. No entanto, a federação estadual do agronegócio considerou os organizadores da comissão tendenciosos para a proteção ambiental.
A comissão do ZEE do Acre produziu um mapa que refletia a floresta: proibiu mais desmatamento ou expansão agrícola e pediu que suas florestas, usos do solo, ocupação do solo, atividades econômicas e populações permanecessem como estavam. Após aprovação da comissão e de autoridades estaduais e federais, o mapa do Acre virou lei.