SÃO PAULO – A maioria dos padres brasileiros está estressada e muitos deles desenvolveram problemas psicológicos, segundo uma pesquisa inédita com clérigos no país sul-americano.
Entre 2020-2021, o padre José Carlos Pereira, também sociólogo, entrevistou 1.858 padres brasileiros. As perguntas cobriram uma ampla gama de tópicos, desde suas percepções de suas próprias condições de saúde até suas opiniões políticas.
O estudo foi publicado em fevereiro.
Existem cerca de 27.000 padres ativos no Brasil. Quase 73 por cento deles têm menos de 55 anos de idade.
Segundo Pereira, na maioria das entrevistas houve queixas de uma rotina diária árdua, muitas vezes acompanhada da descrição de transtornos psicológicos associados, como depressão e ansiedade. Entre os entrevistados, 43% disseram já ter recebido tratamento psicológico. Cerca de 10% já consultaram um psiquiatra.
“A distribuição inadequada de padres no Brasil é histórica. A maioria deles está concentrada nas partes sul e sudeste do país, enquanto o norte é praticamente desprovido deles”, disse Pereira. Cruxacrescentando que a consequência óbvia é que o clero está sobrecarregado em muitas regiões.
“Mesmo em áreas com um bom número de padres, os párocos costumam ficar sozinhos em suas paróquias, às vezes celebrando seis missas no mesmo domingo”, disse ele.
Para piorar, a maioria dos entrevistados não pratica atividade física e não segue uma alimentação balanceada.
A combinação desses elementos pode ter consequências graves. Entre 2021 e início de 2022, pelo menos 10 padres tiraram a própria vida no Brasil.
“Essa é uma questão que sempre é abordada de forma velada, mas está ligada a esse estado de coisas”, disse Pereira.
A maioria dos entrevistados disse a ele que se sente sozinho, mesmo fazendo parte de uma comunidade e trabalhando com uma equipe de leigos.
“O estudo mostra que os padres têm poucos amigos. A maioria não tem com quem dividir uma cerveja e uma conversa descontraída”, disse.
Mas a solidão não levou os padres brasileiros a criticar o celibato, de acordo com a pesquisa. Mais de 86% deles o apóiam.
“Suponho, porém, que uma taxa mais baixa vive em castidade”, disse Pereira.
Mais de 94% dos entrevistados disseram que se dão bem com sua orientação sexual, seja heterossexual ou gay.
“Na minha própria experiência com membros do clero, minha percepção é que mais da metade dos padres no Brasil são homossexuais. Claro, isso não significa que eles não vivam em castidade”, disse Pereira.
A pesquisa também mostrou que a maioria dos padres tende a ter uma visão religiosa conservadora, em linha com os movimentos da Renovação Carismática Católica, por exemplo. Ao mesmo tempo, a maioria dos entrevistados expressou uma forte identificação com o Papa Francisco.
“Acho que o discurso claro do pontífice, que todos podem entender – em contraste com as manifestações mais sofisticadas de Bento XVI – é o motivo da aprovação dos sacerdotes de sua figura. E mencionar de vez em quando os problemas que enfrentam”, disse ele.
Falar das dificuldades do sacerdócio é um passo muito importante no caminho da cura, disse o psicólogo Fábio Geraldo da Costa, ex-padre que há muitos anos trabalha com membros do clero.
“A conferência dos bispos tem discutido essas questões e isso é significativo. As realidades são múltiplas, então as soluções também devem ser”, afirmou. Crux.
Da Costa, autor do prólogo do livro de Pereira, considera importante debater o imaginário católico sobre o sacerdócio, algo que em sua opinião é motivo de muito sofrimento.
“A vida tensa dos padres está ligada à imagem que a comunidade tem do seu papel e também à que eles próprios têm. É uma perfeição”, disse.
Inconscientemente, continuou da Costa, os padres tentam aderir a esse ideal de irrepreensibilidade, algo impossível de alcançar e que limita a sua vida a corresponder às expectativas dos outros, e não às suas.
“Como psicólogo, ouvi muitos padres reclamarem do peso institucional que carregavam nas costas, da solidão, das pressões com as quais tinham que lidar”, disse ele.
Tais são as consequências da concepção da Igreja sobre a vocação ao sacerdócio como “um dom total de uma pessoa à missão”, um dom que começa com a dimensão espiritual.
“Mas um padre não é apenas o espírito. É também um ser social, um ser psicológico, um ser físico que tem sexualidade. E tudo isso é reprimido, afetando sua psique”, disse ele.
Da Costa acredita que cada vez mais padres tentam encontrar maneiras de lidar com esses desafios de maneira mais equilibrada. Talvez por isso, apesar de tantos problemas, mais de 94% dos entrevistados em Pereira se declararam felizes em suas vidas como sacerdotes.