Pelé, 80: a ‘carreira artística’ do jogador no cinema, na música e nos quadrinhos | Arte pop

Em 1986, 15 anos após deixar a Seleção Brasileira e 12 anos após deixar a camisa do Santos, Pelé voltou a pisar no Maracanã, maior estádio de futebol do mundo.

No dia 20 de abril participou das filmagens de “Os Trapalhões e o Rei do Futebol”, dirigido pelo experiente Carlos Manga (1928-2015), durante a final da Taça Guanabara.

No intervalo entre Vasco e Flamengo, Pelé, Renato Aragão e um grupo de figurantes fizeram as últimas cenas do filme, diante de um público estimado em 121 mil torcedores. “A equipe de filmagem teve menos de 15 minutos para filmar essas cenas. Numa época em que não havia computação gráfica nem efeitos especiais, principalmente no Brasil, essa foi a solução que se encontrou para dar aquele clima de campeonato, com um estádio completo e tudo mais ”, explica o jornalista Rafael Spaca, autor de“ O Cinema dos Trapalhões – Por Quem Fez e Por Quem Viu ”(2016).

Trapalhões e Rei do Futebol estreou em 26 de junho de 1986, três dias antes da final da Copa do Mundo no México, e foi visto por 3,6 milhões de telespectadores.

No filme, Pelé interpreta um repórter esportivo chamado Nascimento que, aos 35 minutos do segundo tempo, concorda em bancar o goleiro para ajudar o ficcional Independência Futebol Clube. Bom com a bola, o repórter ainda faz um golaço na hora de chutar. Pontuação final: Independência 5 x 4 Gavião.

“Tenho duas lembranças do set de filmagem. Naquela época, Trapalhões alugava um trailer de primeira para dar todo conforto ao Pelé. Quando soube que teria um trailer só para ele, agradeceu, mas desistiu. Queria estar com todos. Nas cenas de luta, Pelé se preocupava em não machucar os figurantes ”, diz o comediante Dedé Santana, que, ao dispensar a dublê, quebrou os dois pés no início das filmagens ao pular de uma árvore e fazer o resto do filme com uma bota de gesso pintada de preto no filme com o Rei do futebol, que completa 80 anos nesta sexta-feira (23).

Não foi a primeira vez que Pelé atuou em um longa. A estreia de Pelé nas telonas foi no filme “O Rei Pelé”, de 1962, dirigido por Carlos Hugo Christensen. O longa conta a história de vida do menino nascido em Três Corações, que passou por Bauru e Santos até conquistar o mundo como rei do futebol. Pelé foi interpretado por um menino na infância e por um menino para ilustrar a adolescência do rei. Foi uma tarefa difícil, pois ambos tinham que não só manter a semelhança física com o rei, mas também ser bons com a bola.

Mas a mesa da criança que cresceu assistindo aos filmes da dupla Oscarito e Grande Otelo com o cinema não parou por aí. Em 1971, estreou como convidado no filme “O Barão Otelo no Barato dos Bilhões”.

Outros logo chegaram, como “Os Trombadinhas” (1979), de Anselmo Duarte; “Fuga para Vitória” (1982), de John Huston, e “Pedro Mico” (1985), de Ipojuca Pontes.

Na época, a primeira escolha do cineasta para o personagem-título, um típico malandro do sopé do Rio, foi o americano Sidney Poitier.

Com a candidatura à Academia de Hollywood, a estrela de “Ao Mestre, Com Carinho” (1967) declinou o convite.

Precisando de um nome forte para projetar o filme internacionalmente, ele convidou Pelé depois de conversar com o veterano John Huston (1906-1987) em Nova York.

“Pelé deu um trabalho porque nunca foi ator profissional. Mas ele era sensível, sincero e malandro de fazer bem. Trabalhamos para que ele não ‘interpretasse’, mas, sim, ele agia naturalmente em cena. Foi correto e funcionou”, avalia o diretor.

Além dos filmes, Pelé também participou de documentários, como “Isto É Pelé” (1974), de Eduardo Escorel e Luiz Carlos Barreto, “Pelé Eterno” (2004), de Aníbal Massaini Neto, e “Cine Pelé” (2011) , de Evaldo Mocarzel.

“Dos filmes em que atuei, o que mais me deu prazer e reconhecimento foi, sem dúvida, ‘Fuga para a Vitória’”, escolheu Pelé.

“Na época, eu estava interpretando Cosmos em Nova York e tive a oportunidade de atuar com Sylvester Stallone e Michael Caine. Se você tivesse que me dar uma nota de ator, bem, eu acho que seria 10,” brinca o ás. Diz a lenda que, de acordo com o roteiro original, quem fez o gol na bicicleta na seqüência final de “Fuga para a Vitória” seria Stallone. Mas, dada a dificuldade do protagonista de “Rocky, Um Lutador” (1976) para completar a jogada, teve que se contentar com o papel de goleiro.

Além de levar para o cinema, Pelé aceitou o convite da romancista Ivani Ribeiro (1922-1995), autora de “remakes” de sucesso como “A Gata Comeu” (1985), “Mulheres de Areia” (1993) e “A Viagem “(1994), da TV Globo, para estrelar sua própria produção,” Os Estranhos “(1969), sobre a extinta TV Excelsior.

Na trama, o jogador interpreta Plínio Pompeu, um escritor de sucesso que vive em uma ilha distante e, um dia, conhece e faz amizade com extraterrestres do planeta Gama Y-12. Naquela época, Pelé conciliava as gravações das novelas com os jogos do Santos.

Para não ser feio diante das câmeras, o diretor da novela chamou o ator Stênio García para “bater o texto” com o jogador. No jargão da arte, ensaie as cenas antes de filmar.

Stênio García, Regina Duarte e Pelé nos bastidores da novela Os Estranhos, em 1969 – Foto: ARQUIVO PRÓ-TV-TV MUSEU DA BBC

“Pelé era muito gentil e trabalhador. Estava aprendendo, não é?”, Lembra a atriz Rosamaria Murtinho, que interpretou um dos alienígenas do romance, Dioneia. “Mas o romance não deu certo, não. Tanto que pedi para ir embora.”

De lá para cá, Pelé fez outras aparições: na sitcom “Família Trapo” (1967), da Record, onde aprendeu a jogar bola com Ronald Golias (1929-2005); no humorístico “A Praça É Nossa” (1991), do SBT, onde ouviu poucas e boas coisas sobre a fofoca de Dona Vamércia, vivida por Maria Teresa Fróes (1936-1999); e na novela “O Clone” (2002), da TV Globo, onde Dona Jura visitou o bar, interpretado por Solange Couto.

Na gravação, Pelé aproveitou para exercitar outra faceta artística: a de cantor. Lançou grande voz na música “Em Busca do Penta”, de sua autoria.

Com o pé quente, o jogador deu sorte à equipa comandada por Luís Felipe Scolari. Três meses depois, o Brasil venceu a Alemanha por 2 a 0 e venceu a Copa do Mundo de 2002 na Coreia do Sul e no Japão.

Do gramado para o estúdio

Sim, além de aspirante a ator, Pelé também gosta de compor e cantar. Autor de mais de 100 canções, como “Meu Mundo É Uma Bola”, “Cidade Grande” e “ABC do Bicho Papão”, já gravou um compacto com Elis Regina (1945-1982), participou do especial de Natal de Roberto Carlos e lançou um CD produzido por Sérgio Mendes.

Um de seus álbuns, Peléginga (2006), gravado com coro, banda e orquestra, foi lançado apenas no mercado internacional. Com 12 canções selecionadas entre mais de 100 que ele compôs, ele vendeu 100.000 cópias.

“Algumas das músicas dele são boas. Outras não são tão boas. Uma das minhas favoritas é ‘Believe in Véio’. Ele compôs para o santo dos jogadores que os jogadores consultavam antes dos jogos. Quando o time venceu estava tudo bem. Quando eles perderam , o pai do santo arrumava muitas desculpas ”, brincou o diretor, produtor e arranjador Ruriá Duprat.

No estúdio, Duprat diz que Pelé costuma trabalhar. Mas ele diz que o músico nunca se recusou a regravar uma música quantas vezes fosse necessário: “Quando algo não dá certo, eu sou franco e ele tenta fazer melhor. No momento, Pelé não sai do estúdio até estar satisfeito. com o resultado “, diz ele.

Pelé e Ruriá Duprat no estúdio de gravação do álbum Peléginga, em 2006 – Foto: DIVULGAÇÃO

Em 2009, Pelé e Duprat cogitaram lançar um novo álbum. Na época, o ex-músico chegou a convidar Bono para dar voz em uma das faixas, mas o cantor do U2 não pode participar do projeto devido à turnê 360º.

“Nunca pensei que um dia poderia viver da música ou do cinema. O presente que Deus me deu foi jogar bola. Música e filmes simplesmente aconteceram. Entre cantar e atuar, acho que ajo melhor.” Aventura de Pelé.

Pelé recebeu muitos convites ao longo dos anos. Faça filmes, grave novelas, lance discos. O mais inusitado de tudo aconteceu a bordo de um avião, entre Roma e São Paulo. O convite partiu do designer Maurício de Sousa, “pai” da Turma da Mônica, em 1976.

Sua ideia era transformar o atleta do século em personagem de quadrinhos. Pelé concordou imediatamente. Depois de um tempo, Maurício marcou uma reunião em Nova York e levou alguns croquis para que Pelé aprovasse. Com os desenhos em mãos, o jogador franziu a testa. “Não gostou?”, Perguntou Maurício. “O design é fofo, mas achei que deveria ser diferente”, gaguejou o jogador. “Qual a diferença?” Questionou o designer. “Deve ser desportista. Vitorioso, campeão …”, tenta explicar. “Pelé, essa não é a ideia. Crianças gostam de brincar com crianças”, argumentou. “Ah, não sei …”, ele coçou a cabeça em dúvida.

Diante da indecisão do jogador, Maurício propôs um acordo: levar os esboços para casa, mostrá-los aos filhos, Kelly Cristina e Edinho, e perguntar o que encontraram. “Eu sabia qual seria a resposta e não dei outra. Os filhos do Pelé adoravam a versão infantil do pai e assim nasceu o Pelezinho”, orgulha-se Maurício, que, para formar o grupo Cana Brava, Frangão e Pelezinho, colecionou histórias e mais histórias da infância de Pelé.

A revista do Pelezinho foi publicada de agosto de 1977 a dezembro de 1986. Desde então, só seria publicada em ocasiões especiais, como em 1990, no 50º aniversário do Pelé, e em 2012, às vésperas da Copa das Confederações do Brasil em 2013.

Pelé e Maurício de Sousa em 1977, no lançamento da revista Pelezinho – Foto: ACERVO MSP via BBC

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