Um estudo publicado na revista científica Nature em maio reavivou uma discussão que há décadas intriga engenheiros, neurocientistas e oftalmologistas: o desafio de construir um dispositivo biônico que faça justiça aos olhos humanos. Se, por um lado, há a esperança de restaurar a visão de pessoas com problemas oculares, por outro, há a promessa de criar uma espécie de ciborgue, capaz de enxergar de maneira sobre-humana.
Dependendo dos pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, já existe um modelo de retina artificial que atinge esses objetivos. Mas antes de se empolgar com a idéia de visão noturna e zoom natural, acalme-se de que essa história ainda é um longo caminho – por enquanto, há apenas um protótipo.
No entanto, Zhiyong Fan, o principal investigador, disse à Science News que no futuro “poderia ser usado para obter melhores próteses visuais ou em robôs humanóides”.
Feito de uma soma de óxido de alumínio e perovskita, uma substância normalmente usada em painéis de energia solar, o dispositivo desenvolvido em Hong Kong emula a forma hemisférica de uma retina.
Em geral, os sensores de luz eletrônicos são materiais rígidos e planos. Mas isso é um problema se a intenção é simular a geometria esférica do olho, gerando um amplo campo de visão e a capacidade de estabelecer um foco preciso em um objeto específico.
Para atingir esse objetivo, uma fina folha de alumínio foi formada em uma forma hemisférica. Escrito dessa maneira, pode parecer tão simples quanto fazer uma melhor embalagem de alimentos para assar no forno, mas o processo é complicado e envolve um processo eletroquímico que transformou o alumínio em óxido de alumínio.
A partir daí, a história se torna microscópica. Nanoscópico, na verdade. Dentro desta retina artificial, existem 460 milhões de sensores de luz feitos de perovskita por centímetro quadrado.
A retina humana, por sua vez, possui dez milhões de células fotorreceptoras por centímetro quadrado. Para criadores de protótipos, isso significa que alguém que o usa pode ver no escuro, por exemplo. Ou veja mais e com mais definição. No futuro, é claro. E com um grande “sim”. Afinal, resta descobrir como conectá-lo ao cérebro.
“Achei essa pesquisa incrível, fantástica, do ponto de vista da engenharia de materiais e da física”, diz Jerome Baron, professor de fisiologia e biofísica do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, que trabalha com neurofisiologia da percepção visual. . “Mas, olhando em perspectiva, isso pode não resolver todos os problemas que normalmente são enfrentados quando falamos de um olho biônico e de próteses visuais”.
Jerome explica que as células fotorreceptoras, emuladas por pesquisas publicadas na Nature, são apenas as primeiras de uma série de camadas celulares na retina. Este sistema faz mais do que transformar a luz em impulsos elétricos. “Existe um circuito muito inteligente lá que envia um padrão de atividade para o resto do cérebro”, diz o professor.
Isso significa que, mesmo com a capacidade de conectar um olho biônico de alta capacidade visual ao cérebro, isso ainda não significa que uma pessoa possa ver melhor.
“O importante é que nossa visão comece na retina, mas a experiência visual ocorre no resto do cérebro”, explica Jerome. “O padrão de atividade enviado ao cérebro deve ser um padrão que o cérebro entenda”.
O irritante é que um olho biônico pode não ajudar as pessoas que nasceram cegas. Embora tenha sido desenvolvida uma prótese ocular eficiente, o cérebro de uma pessoa cega não aprendeu a ver.
“Para a robótica, talvez ela possa ser usada imediatamente”, diz o professor da UFMG. “Agora, para próteses visuais humanas, esse continua sendo um primeiro passo distante.”
Livre até uma injeção no olho?
Hoje, uma das próteses biônicas oculares mais eficientes é o Argus II, que trabalha com a ajuda de um par de óculos equipados com uma câmera e um computador. A imagem é capturada e processada em sinais elétricos. Em seguida, eles são enviados para um implante na retina. O sistema permite que destinatários de próteses recuperem alguma visão, como diferenciar realces e sombras ou ver formas borradas.
Mas os olhos biônicos não são a única maneira de melhorar ou recuperar a visão.
No ano passado, um grupo de pesquisadores publicou um experimento no qual injetavam os olhos de minúsculos ratos de nanopartículas capazes de transformar ondas de luz infravermelha em frequências que podem ser vistas. Em outras palavras, eles fizeram os ratos enxergarem no escuro.
“Como o sistema de retina para humanos e camundongos é muito semelhante, em princípio essa nanopartícula pode, em algum momento, ser usada em humanos”, diz o professor Gang Han, da Faculdade no Massachusetts Medical Escola, Uma das pessoas encarregadas do projeto. Han diz que o método de injeção usado é um procedimento de rotina em clínicas onde tratamentos para problemas de rotina são realizados.
“Agora, estamos planejando testar primatas. Se tudo der certo, existe a possibilidade de que isso se traduza em humanos em uma década”, diz o professor.
Bem, ver no escuro parece uma enorme vantagem. Mas se você precisar de uma injeção no olho para isso, é melhor acender a luz.