O criacionismo continuará a florescer no Brasil?

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Durante a recente presidência do conservador político e religioso Jair Bolsonaro, a negação da ciência floresceu no Brasil. Isso ficou mais notório durante o auge da pandemia de COVID, quando ele promoveu medidas de prevenção e tratamento sem o respaldo da ciência e desconsiderando aquelas que salvam vidas.

Mas a desinformação assume muitas formas, incluindo notícias falsas e teorias da conspiração, e como professor de biologia e ciências que pesquisa evolução e educação científica, fiquei especialmente preocupado com o apoio do governo Bolsonaro ao design inteligente. Uma reformulação do criacionismo, o design inteligente afirma que um designer mestre (também conhecido como Deus) criou a Terra e suas formas de vida. Na prática, o movimento espalha falsidades e fomenta teorias da conspiração sobre a evolução. Ele atraiu a atenção mundial, apesar da falta de provas e do fato de que seus fornecedores costumam ser bem financiados por organizações cristãs.

Cinco anos antes de Bolsonaro assumir o cargo, durante a presidência da mais progressista Dilma Rousseff, Eu escrevi uma carta para Ciência, alertando colegas acadêmicos sobre o risco do design inteligente para a compreensão da evolução da sociedade no Brasil e no mundo. Muitos pesquisadores e professores brasileiros me criticaram por divulgar o que seria um movimento supostamente marginal, mesmo já tendo sido criado um centro de design inteligente em uma grande universidade brasileira.

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Após três anos de governo negacionista de Bolsonaro, meus alertas parecem mais prescientes do que alarmistas. O governo Bolsonaro criou a oportunidade perfeita para design inteligente buscar maior visibilidade, dando a seus líderes maior peso político e midiático e, incrivelmente, dando ao criacionismo maior relevância acadêmica. Cabe agora ao novo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, popularmente conhecido como Lula, restaurar a crença na ciência e a separação entre igreja e estado; Lula também deve se certificar de não perseguir pessoas que passaram a acreditar que o criacionismo define a vida na Terra. A sociedade brasileira vai ter que ajudar.

O financiamento público pode estar desempenhando um papel fundamental no crescimento do criacionismo no Brasil. A grupo de pesquisa de design inteligente, liderado por dois Ph.D. cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foi aprovado pelo governo Bolsonaro para integrar o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil (CNPq), órgão público que aprova e financia a pesquisa brasileira.

Esse grupo, vinculado a três grandes e prestigiadas universidades brasileiras, está tecnicamente qualificado para receber financiamento público, mas não está claro se de fato o está fazendo. Ainda assim, isso é intelectualmente perturbador. Duas das universidades, a Universidade Estadual de Campinas e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, são públicas, embora o Brasil, como os Estados Unidos, seja um estado constitucionalmente laico. A terceira, a privada Universidade Presbiteriana Mackenzie, abriga um centro de pesquisa em design inteligente associado ao Discovery Institute dos Estados Unidos. O Discovery Institute é o centro de fato do design inteligente; seu movimento quase contínuo no Brasil demonstra a facilidade com que o criacionismo começou a se inserir na sociedade.

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O grupo de pesquisa diz que se concentra na “filosofia do design”. Mas não está claro o que isso significa; na prática, parece estar envolvido em linhas de pesquisa difusas e confusas em torno de questões de ciência, design, educação, redes elétricas e inovação tecnológica. Ao questionar a evolução de forma aparentemente acadêmica, o grupo pode receber apoio financeiro de diversas fontes e de diversas formas, de diversas agências de fomento brasileiras, como o CNPq. O grupo está conectado com outros pesquisadores, estudantes e aqueles que se alinham com essa pseudociência em arte e tecnologia. Em geral, eles têm muitas oportunidades de encontrar apoio financeiro para esse tipo de abordagem negacionista.

Os pesquisadores do grupo incluem defensores do design inteligente, bem como criacionistas declarados, tornando difícil prever que tipo de estudos eles conduzirão. Um de seus membros afirma ter provas de que os dinossauros viveram ao lado dos humanos e que uma amostra de dinossauros foram salvos de um dilúvio global na Arca de Noé. Algum de seus colegas neste grupo discordaria publicamente?

Esse integrante do grupo, Marcos Nogueira Eberlin, também tem atuado no combate à vacinação, ao uso de medicamentos ineficazes contra a COVID e à divulgação de informações falsas. Sobre as vacinas SARS-CoV-2. O Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas, ao qual pertenceu até sua aposentadoria, publicou uma nota refutando veementemente a validade do que diz.

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E enquanto o governo Bolsonaro apoiou o grupo de pesquisa de design inteligente, dando credibilidade ao governo a uma visão que afirma desacreditar a evolução, seu governo cortou o financiamento para pesquisa em educação e ciência e cortou bolsas de pesquisa para mestrado e doutoral candidatos. Isso demonstra a preferência do governo pela pseudociência e o desprezo pela ciência de boa qualidade no Brasil.

Uma maré inconstante de religião está por trás do apoio do governo Bolsonaro à pseudociência criacionista. Tradicionalmente uma nação católica, o Brasil experimentou um crescimento recente do protestantismo evangélico, que no Brasil, tende a favorecer o criacionismo. Essa mudança religiosa, combinada com uma tendência ao autoritarismo na política, resultou em uma tempestade perfeita. Para exemplificar o quão central é a questão religiosa no Brasil, Bolsonaro e Lula iniciaram suas campanhas eleitorais de 2022 tentando agradar o segmento evangélico mais radical do eleitorado. Bolsonaro e seus apoiadores descreveram a campanha como “Entre o bem e o mal”, afirmando que Lula fecharia as igrejas caso fosse eleito. Lula, que foi presidente antes de Dilma Rousseff e Bolsonaro, respondeu que Bolsonaro deveria ser possuído por um demônio.

Ambos ignoraram, ou desprezaram, a laicidade do Estado brasileiro, prevista na Constituição.

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Em outubro de 2022, Bolsonaro perdeu a eleição presidencial por uma pequena margem para Lula. No entanto, parece que a mistura de Deus e política em detrimento da ciência continuará no Brasil, não só porque muitos partidários de Bolsonaro não aceitam sua derrota, mas também porque os legisladores recém-eleitos em nossa Câmara dos Deputados e Senado que compartilham a ideologia de Bolsonaro de continuar realizando planos anticientíficos e de cunho religioso. Outros e eu espero que Lula preste atenção aos perigos da pseudociência e mais uma vez valorize a boa ciência, algo que ele parece ter começado a demonstrar ao realinhar as bolsas de pesquisa no início de seu mandato.

E, finalmente, as universidades que emprestaram seu bom nome para apoiar o projeto de design inteligente precisam mudar de rumo e garantir que tais empreendimentos pseudocientíficos não recebam apoio do governo. Só assim será possível desfazer o legado de pseudociência criacionista de Bolsonaro.

Este é um artigo de opinião e análise, e as opiniões expressas pelo(s) autor(es) não são necessariamente as de cientista americano.

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About the Author: Adriana Costa

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