O Brasil sente a conhecida pontada do fracasso

DOHA, Catar – Mais uma vez, então, a Copa do Mundo no Brasil termina com a dança que o país passou a conhecer melhor do que qualquer outro. Os jogadores ainda estavam escondidos no vestiário do Estádio Education City, tentando processar a amargura e o arrependimento da eliminação nas mãos da Croácia, mas já os dedos estavam sendo apontados, a culpa estava apontada.

O alvo principal, claro, foi o mesmo de sempre: o treinador. Apenas alguns dias atrás, quando as coisas eram leves e divertidas, Tite se esforçou para não levar muito crédito. O Brasil pode ter se desfilado e deslizado pelo torneio, sua camisa brilhando tanto quanto por uma geração, mas Tite, 62 anos, não queria que ninguém pensasse que era por causa dele.

Ele era, se alguma coisa, nada mais do que um facilitador. A glória deve ir para os jogadores, disse ele, os que estão em campo, fazendo as coisas acontecerem, colocando o país ao alcance daquela esquiva sexta Copa do Mundo. “São os atletas”, disse ele. “Eles são a imagem completa.”

Essa é a barganha que os treinadores fazem. Tite não se sentia com direito a nenhum crédito, mas assim que as coisas ficaram sombrias e pesadas, ele foi a principal saída para grande parte da culpa. “Não se trata de ser um herói ou um vilão”, disse ele, com seus jogadores devastados ainda incapazes de enfrentar o público. “Mas entendo que sou o mais responsável.”

Não faltaram pessoas dispostas a concordar com ele. Logo após a partida, Tite mostrou-se calmo o suficiente para oferecer o que foi, aliás, a análise mais razoável e racional da eliminação do Brasil. “Quando seu goleiro é o melhor jogador em campo, o jogo está falando com você”, disse ele.

Ele também estava certo. O Brasil criou uma enxurrada de chances contra a Croácia. Com um pouco mais de sorte ou um pouco mais de equilíbrio, ele estaria fora de vista muito antes dos pênaltis, muito antes do gol de empate de Bruno Petkovic, muito antes da prorrogação. “Às vezes temos uma grande exibição, chutamos à baliza e a bola sai ao lado”, disse. É cruel, claro. “Mas é normal”.

Isso nunca foi susceptível de conter a tempestade de críticas. Tampouco o fato de Tite ter deixado claro, antes mesmo do Mundial, que deixaria o cargo assim que terminasse a participação do Brasil no Catar. Não importa como ou quando aconteça, ou contra quem aconteça, a saída do Brasil de uma Copa do Mundo de mãos vazias não é tanto motivo de investigação quanto de inquérito, e o dedo da culpa sempre aponta, primeiro, para O Treinador.

E assim, em minutos, havia agentes de destaque entrando no Instagram para declarar que Tite não era e nunca foi um dirigente de verdade, e colunistas de jornais reavaliando seus seis anos à frente da Seleção, e comentaristas de vários matizes se perguntando quantas outras pessoas . Você deve segui-lo até a porta.

Esse foi apenas o começo da dança. Uma vez que Tite foi condenado, outros alvos surgiram. Lá estava Thiago Silva, o veterano capitão, ainda aceitando o fato de que “nunca vai levantar este troféu”, lamentando o fato de ele e seus companheiros terem “perdido a concentração na prorrogação”, mas agora também são considerados muito velhos. lento, a culpa é atualizada em tempo real.

Também havia Neymar, tão visivelmente perturbado em campo, tão dominado pela emoção que precisou ser ajudado a se levantar, que aceitou a simpatia até da fonte improvável de um dos filhos de Ivan Perisic. “Esta derrota vai doer por muito tempo”, dissera ele. Ainda pode ser sua última partida na Copa do Mundo pelo amarelo canário de seu país. Não importa: mais uma vez, escreveu um colunista, o país mostrou-se muito dependente de Neymar, que fez o gol que, ao menos por alguns minutos, pareceu ter empurrado o Brasil além da linha.

Que a reação no Brasil tenha sido tão urgente, tão repreensiva, não é surpreendente. Afinal, ele já teve que passar por tudo isso antes. O clichê de que o Brasil é o único país do planeta que vai a uma Copa do Mundo com expectativa, e não com esperança, pode não ser inteiramente verdade. Mas nenhuma outra nação está tão condicionada a acreditar na vitória como alcançável, em vez de aspiracional.

E ainda assim, nos últimos 20 anos, o Brasil teve muito pouco impacto na Copa do Mundo. Não é só que ele não vence o torneio desde 2002; na verdade, ele raramente parecia vencê-lo. Em quatro das últimas cinco edições, o destino do Brasil foi o mesmo que aqui, eliminado nas quartas de final por um time europeu que podia ou não ter mais talento, mas com certeza foi um pouco mais street, um pouco mais sereno, um pouco mais resistente. Para Croácia 2022, leia França em 2006, Holanda em 2010, Bélgica em 2018.

A exceção, é claro, veio em 2014, quando o Brasil teve uma corrida emocionante em casa até as semifinais. Esse, porém, é o torneio sobre o qual o país menos quer falar; a viagem mais longa terminou em o momento que doeu mais do que qualquer outro.

Depois de cada uma delas, o futebol brasileiro passou pela mesma convulsão: identificar as falhas, apontar os culpados, mudar de rumo para não sentir novamente a mesma decepção. Se o treinador for muito liberal, um disciplinador deve ser contratado. Se a equipe atacar demais, uma abordagem mais cautelosa deve ser tomada. Se mudar as coisas não funcionar, a consistência pode ser a resposta, como foi em 2018, quando Tite permaneceu, apesar de perder para a Bélgica.

Nada disso funcionou, não da maneira que o Brasil queria que funcionasse. E aqui está ele novamente, de volta à mesma velha dança, enfrentando a perspectiva de ter que começar tudo de novo, tentando encontrar uma maneira de subir a montanha mesmo quando o topo parece mais distante do que nunca.

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About the Author: Adriana Costa

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