A mudança climática e a construção descontrolada em áreas propensas a inundações e deslizamentos de terra estão tornando mais frequentes desastres como a violenta tempestade que matou pelo menos 48 pessoas no sudeste do Brasil, de acordo com um importante especialista.
Francis Lacerda, pesquisador do Laboratório de Mudanças Climáticas do IPA no Brasil, falou à AFP sobre as forças que impulsionam desastres como o que atingiu a costa do estado de São Paulo no último fim de semana e o que pode ser feito para detê-los.
O que está causando tantas tragédias como essa no Brasil?
“É uma consequência do alerta global, que tem gerado mais eventos climáticos extremos não só no Brasil, mas em toda a América do Sul e em todo o planeta.
“Na verdade, houve uma diminuição no volume total de chuvas no Brasil nas regiões sudeste, centro-oeste, norte e nordeste nos últimos 30 ou 40 anos, mesmo quando esses episódios extremos aumentaram.
“Nossos oceanos estão absorvendo muito calor dos gases de efeito estufa, o que está mudando as correntes oceânicas. Isso está causando mudanças na forma como o calor é distribuído nos pólos e no equador da Terra, e a atmosfera responde com esses eventos climáticos extremos.
“Portanto, a precipitação total diminuiu, mas a distribuição tornou-se mais intensa, com chuvas de um ano inteiro caindo em poucas horas em alguns casos.”
O país inteiro está em risco?
“Sim, embora as áreas montanhosas estejam em maior risco.
“No litoral de São Paulo, por exemplo, o fenômeno foi intensificado pela serra e pela chegada de uma frente fria com ventos litorâneos de alta velocidade. Mas chuvas como essa também podem ocorrer em áreas costeiras sem montanhas.
As mortes poderiam ter sido evitadas?
“Foi uma tragédia anunciada. Um dia antes da tempestade, os modelos meteorológicos começaram a indicar uma alta probabilidade de tal evento. Teria sido possível obter informações suficientes para os funcionários de emergência para evacuar essas áreas e salvar vidas.
“Os governos municipais, estaduais e federais não estão preparados para as mudanças climáticas. Precisamos de planos de adaptação e mitigação.”
Milhões enfrentam tal perigo. Como o Brasil encara isso?
“A especulação imobiliária basicamente empurrou os pobres da periferia urbana para essas áreas de alto risco. Eles não têm outra escolha.
“Não basta apenas dizer: ‘Tire essas pessoas de lá’. Precisamos repensar fundamentalmente nossas cidades com vistas à reformulação das políticas públicas urbanas.
“Há muitas coisas que podem ser feitas, inclusive reparar a falta de moradia digna.”