Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil de 2002 a 2010, embarcou em novembro em uma triunfante turnê européia digna de um chefe de Estado. Absolvido das acusações de corrupção pelo Supremo Tribunal Federal em abril, ele conquistou apoio da esquerda europeia e aprimorou sua mensagem antes das eleições presidenciais de 2022. Sua estratégia para derrubar o presidente Jair Bolsonaro se baseia no apelo de sua personalidade e em sua capacidade de negociar com os reis da política brasileira.
‘Retorno aos campeões dos líderes internacionais’
Lula planeja concorrer nas eleições presidenciais de 2022 no Brasil? “Vou avisar”, respondeu calmamente o ex-presidente, ao ser questionado em um grande hotel parisiense, onde em 17 de novembro recebeu o Prêmio Politique Internationale Political Courage.
Fiel à forma, o ex-mecânico que saiu da prisão em novembro de 2019 declarou seu amor pelo povo brasileiro “bom, democrático, generoso, trabalhador”, que é “muito melhor do que o povo ignorante no poder”, e defendeu o Brasil missão de se tornar uma potência econômica e regional para o bem do planeta. Poucas horas depois, ele foi recebido pelo presidente francês Emmanuel Macron para almoçar no Palácio do Eliseu.
A interminável provação judicial que, a partir de 2011, viu Lula ser condenado em casos de corrupção, desvio de dinheiro público e obstrução da justiça, parece ter acabado. O ex-presidente está “de volta à Liga dos Campeões dos líderes internacionais”, diz Gaspar Estrada, diretor do Observatório Político da América Latina e Caribe do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Reutilização de uma estratégia eleitoral comprovada
A turnê europeia de Lula mostrou que, diferentemente de Jair Bolsonaro, ele não é um pária aos olhos da comunidade internacional, diferença clara de que o ex-presidente espera reconquistar o coração do eleitorado brasileiro.
Ao retornar ao Brasil, e antes de uma próxima viagem aos Estados Unidos, Lula continuará a fazer pleno uso da estratégia eleitoral que lhe rendeu a presidência em 2002: conversar com várias pessoas, negociar e mobilizar forças políticas. além de seu Partido dos Trabalhadores (PT), particularmente do centro do espectro político.
“Lula não tem concorrência à esquerda, mas após o impeachment de Dilma Rousseff (Nota do editor: em 2016), a orientação política do PT virou mais para a esquerda. Na eleição presidencial de 2018, o candidato do PT escolheu um companheiro de chapa mais esquerda do que ele. Mas historicamente, o PT só ganha com um vice-presidente de centro-direita”, Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, destaca.
O inescapável ‘Centro’: o ponto fraco e corrupto da política brasileira
De fato, desde o retorno do Brasil à democracia em 1985, todo presidente teve que formar alianças com uma infinidade de pequenos partidos conservadores para governar. Atuando como representantes do Brasil conservador e “profundo”, são conhecidos pelos brasileiros como o “Centro”.
Divididas em diferentes grupos (atualmente 25 partidos têm deputados eleitos no Congresso), essas coalizões determinam se a legislação pode passar pelo parlamento brasileiro. “Não se pode governar o Brasil sem o Centrão. Seus membros estarão sempre no governo e não se importam com quem ganha as eleições. É uma peculiaridade do sistema político brasileiro”, explica Stuenkel.
Portanto, é provável que Lula queira “retornar aos tempos mais felizes de sua presidência e acabar com a polarização política” na forma de “lulismo”, sinônimo de “conciliação e aceitação das realidades da vida política brasileira”, ele explica Armelle Enders, historiadora do Brasil contemporâneo da Université Paris 8.
“A esquerda o repreendeu por ter ligações pessoais com muitas personalidades da direita ou do centro que consideram pouco atraentes”, diz Enders. Bolsonaro fora do cargo para sempre.
Reconexão com os militares
Outro desafio para o grande conciliador será se reconectar com os militares: uma instituição popular entre os brasileiros que se alinhou com Bolsonaro após sua vitória em 2018. “Lula tentou abrir um diálogo com a hierarquia militar por meio de seu ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, mas aparentemente sem sucesso. A criação da Comissão da Verdade e Reconciliação por Dilma Rousseff em 2014 criou uma ruptura entre o PT e o Exército”. Stuenkel explica.
Em Paris, Lula foi incomumente não conciliador quando falou sobre esse assunto. “O papel das Forças Armadas brasileiras está bem definido na Constituição: eles defendem a soberania do nosso país. (…) Eles estão a serviço da sociedade civil. É o que diz a nossa Constituição. Hoje, são 8.000 militares pessoal em cargos de responsabilidade civil e confiança. Eles terão que ir, e nós vamos substituí-los por pessoal não militar. Sem problema, mas eu não quero falar sobre eleições com os militares”, disse ele a repórteres no dia 17 de novembro.
Incerteza antes das eleições decisivas
Em um Brasil duramente atingido pelo desemprego e pela pandemia, com o ressurgimento da fome em algumas partes do país, Lula, que lidera as pesquisas há meses, quer focar sua campanha na reconciliação, celebrando o Brasil e tranquilizando o povo brasileiro. .
No entanto, a vitória de Lula, esperada por muitos brasileiros e líderes na Europa e na América Latina, não é inevitável. Embora o ex-presidente tenha sido absolvido de qualquer condenação, seu nome continua sendo sinônimo, para parte da opinião pública brasileira, de corrupção política. Portanto, pode-se esperar uma disputa polarizada entre o ex-presidente e o titular.
“Lula terá dificuldade em trazer de volta a comunidade empresarial”, diz Enders. “Em 20 anos, muitas coisas mudaram. Uma nova direita muito libertária ganhou força. Ele está procurando uma terceira via, entre um Lula que é muito esquerdista e um Bolsonaro que é muito imprevisível que poderia olhar para julgar Sergio Moro. [Editor’s note: Moro jailed Lula, was appointed minister of justice and public security after Bolsonaro was elected, and resigned in April 2020], o que pode incomodar Bolsonaro.”
“Atualmente, Jair Bolsonaro mantém um perfil discreto, pois foi ameaçado de impeachment após tentar um golpe em setembro. Mas ele não está fora da corrida, tudo é possível”.
Em caso de derrota no segundo turno, o atual presidente brasileiro, grande admirador do ex-presidente norte-americano Donald Trump, não pretende ficar sem lutar, principalmente se Lula sair vitorioso.
Este artigo foi traduzido do original em francês.