Desde que perdeu sua candidatura à reeleição, o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro praticamente desapareceu de vista, refugiando-se em sua residência oficial e deixando o país com a sensação incômoda de um vácuo de poder.
Quase três semanas depois de perder para seu rival de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente de extrema-direita, que permanece no cargo até 1º de janeiro, permaneceu extraordinariamente quieto, evitando eventos oficiais e até mesmo suas amadas contas nas redes sociais.
Como os especialistas especularam sobre a causa, ele está de mau humor? Consumido pela raiva? – O vice-presidente Hamilton Mourão finalmente deu uma explicação na quarta-feira: seu chefe, disse ele, está com uma infecção de pele conhecida como erisipela na perna.
“Ele tem um problema de saúde. Ele não pode usar calça. Como ele pode vir aqui de bermuda?” Mourão disse ao jornal o Globo.
Mas o gabinete do presidente não confirmou a informação, e as próprias declarações de Mourão pareciam deixar margem para dúvidas.
Pouco antes, ele disse a outro jornal, Valor Econômicoque Bolsonaro foi isolado para “um retiro espiritual”.
Mourão parecia achar que a reclusão do líder coxo poderia durar até o fim do mandato, em meio a relatos de que Bolsonaro planeja viajar ao exterior no dia da posse para evitar entregar a faixa presidencial a Lula, como manda a tradição.
“Não sou o presidente. Não posso ser eu a entregar a banda”, disse Mourão.
agenda quase vazia
A retirada de Bolsonaro da opinião pública começou na noite do segundo turno, em 30 de outubro, quando perdeu pela margem mais estreita da história moderna do Brasil: menos de dois pontos percentuais.
Ele só reapareceu quase 48 horas depois, quando fez um discurso conciso dizendo que respeitaria a constituição, mas sem admitir a derrota ou parabenizar Lula.
O líder da maior economia da América Latina faltou à reunião do G20 em Bali esta semana, deixando seu vice-presidente para desempenhar funções tradicionais, como aceitar as credenciais de novos embaixadores.
A agenda oficial de Bolsonaro tem estado quase vazia, com exceção de encontros breves e esporádicos, quase todos em sua residência oficial, e não nos gabinetes presidenciais.
Antes uma presença inconstante no Twitter e no Facebook, Bolsonaro até ficou praticamente silencioso online, incluindo o discurso semanal ao vivo que costumava dar diretamente à sua base durante sua presidência.
‘Ego ferido’
Enquanto os brasileiros se perguntam se o “Trump tropical” tentará voltar daqui a quatro anos, o analista Oliver Stuenkel disse que viu o silêncio de Bolsonaro como um movimento estratégico.
“Ele não pode aceitar [election] resultado explícito, mas ao mesmo tempo você não pode contestá-lo explicitamente, porque isso poderia levar o tribunal eleitoral a puni-lo” ao privá-lo de seu direito de concorrer a um cargo, Stuenkel disse à AFP. “Manter o silêncio é a melhor solução.”
Bolsonaro quer encorajar apoiadores de linha dura que protestam fora das bases do exército desde a eleição, acrescentou Stuenkel.
Os manifestantes, que alegam que a eleição foi roubada, sem provas, pedem que os militares intervenham para manter Bolsonaro no poder.
Milhares de pessoas compareceram às manifestações desta terça-feira, feriado no Brasil, embora sejam menores durante a semana.
Na internet, as especulações sobre a causa do silêncio de Bolsonaro tendem para o psicológico.
“Onde está a ferida que impede Bolsonaro de trabalhar? Na perna? No ego?” brincou um usuário do Twitter.
primeira derrota
Sylvio Costa, fundador do site de notícias Congresso em Focoele disse que Bolsonaro pode ter “um caso de negação que se transformou em depressão”.
“Foi a primeira derrota eleitoral de Bolsonaro” desde que ele entrou na política em 1988, primeiro como vereador do Rio de Janeiro e depois como deputado federal por sete mandatos, disse Costa.
O presidente, acrescentou, enfrenta “dezenas de investigações e processos, e teme ser preso. Acho que Bolsonaro está perdido”.
Mas também é “totalmente imprevisível”, acrescentou Costa, dizendo que Bolsonaro pode “voltar com um discurso de golpe e tentar atrapalhar o início do novo governo o máximo possível”.
Enquanto isso, há temores de segurança nacional sobre o aparente vácuo no topo.
“É de se perguntar se o presidente estaria pronto para tomar as medidas necessárias em uma emergência nacional”, disse Stuenkel.
Ganhando tempo, Lula tem se comportado como um chefe de Estado, realizando reuniões de alto nível e viajando esta semana para a cúpula do clima das Nações Unidas no Egito, onde declarou: “O Brasil está de volta”.
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Por Pascale Trouillaud, AFP