Este ano, começarão os testes em humanos de uma nova vacina contra a COVID-19 desenvolvida no Brasil. Teve um bom desempenho em testes em animais, conforme relatado em um artigo publicado em agosto na comunicações da natureza. Os cientistas responsáveis pela vacina acabam de receber autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para iniciar os ensaios clínicos.
“Há apenas alguns pequenos ajustes a serem feitos no protocolo do estudo antes de submetê-lo novamente à aprovação do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa. [CONEP]. Esperamos iniciar os ensaios clínicos no final de outubro”, disse Ricardo Tostes Gazzinelli, diretor do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (CTV-UFMG), à Agência FAPESP. Gazzinelli também é pesquisador principal da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), braço de pesquisa do Ministério da Saúde.
Para desenvolver a formulação da vacina, o grupo liderado por Gazzinelli combinou duas proteínas diferentes do SARS-CoV-2: N (para o nucleocapsídeo, que contém o material genético do vírus) e parte de S (para o spike, a proteína utilizada pelo vírus se unam para invadir células humanas). A molécula quimérica resultante é chamada de SpiN. A estratégia visa desencadear uma resposta imune celular que consiste na produção de células de defesa (linfócitos T) especializadas em reconhecer e matar o novo coronavírus. Este tipo de proteção deve permanecer eficaz mesmo contra novas variantes.
“As vacinas COVID-19 em uso agora são projetadas principalmente para desencadear a produção de anticorpos neutralizantes contra a proteína S e impedir que o vírus infecte células humanas. Isso é conhecido como resposta imune humoral. No entanto, com o aparecimento de variantes com muitas mutações na proteína S, a capacidade desses anticorpos de reconhecer esse antígeno foi enfraquecida, enquanto a proteína N é melhor conservada nas novas cepas”, disse a doutoranda Julia Castro, que liderou os ensaios pré-clínicos sob a supervisão de Gazzinelli.
De acordo com Gazzinelli, que também é professor visitante da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), a vacina baseada na proteína quimérica SpiN não desencadeia a produção de anticorpos neutralizantes por si só, mas se administrado como reforço injetado pode estimular tanto a imunidade humoral produzida pela vacinação prévia quanto a imunidade celular, alcançando dupla proteção.
teste de desafio
Os testes em animais foram realizados em um laboratório de alta biossegurança da FMRP-USP, graças à colaboração de João Santana da Silva e Luiz Tadeu Figueiredo, ambos também professores do local. A pesquisa contou com o apoio da FAPESP, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) por meio de sua rede de vírus (Rede Vírus), da Fundação Mineira de Financiamento à Pesquisa (FAPEMIG) e da Prefeitura de Minas Gerais. ).
O primeiro passo foi testar a eficácia da vacina em camundongos geneticamente modificados para expressar a ACE2, a proteína humana à qual o vírus se liga através de seu spike (S) para infectar as células hospedeiras. Este modelo imita a forma grave do COVID-19.
Alguns dos camundongos receberam duas doses com 21 dias de intervalo. Os demais receberam placebo. Um mês depois, eles foram expostos por via intranasal a uma alta carga viral. Diferentes experimentos foram realizados para verificar até que ponto a vacina os protegeu contra a cepa selvagem de SARS-CoV-2 (isolada na China em 2019), a variante delta (Índia, 2020) e a variante omicron (África do Sul, 2021) .
No grupo controle, que recebeu placebo, 100% dos animais infectados com o [wild-type] A cepa ou delta de Wuhan morreu. Os camundongos expostos ao omicron não morreram, mas desenvolveram patologia significativa nos pulmões. No grupo vacinado, todos os animais sobreviveram à infecção com todas as três cepas e muito mais tecido pulmonar foi preservado. Além disso, a carga viral estava entre 50 e 100 vezes menor.”
Julia Castro, doutoranda
O próximo passo foi testar a vacina em um modelo de doença moderada. Para fazer isso, os cientistas usaram hamsters, que são naturalmente infectados pelo vírus, mas não de forma muito eficaz. Eles receberam duas doses da vacina e, após um mês, foram expostos à cepa Wuhan ou delta. Em comparação com o grupo controle, os hamsters vacinados apresentaram carga viral aproximadamente dez vezes menor e menos sinais de dano pulmonar.
Estabilidade e segurança
Uma plataforma foi estabelecida no CTV-UFMG para produzir a proteína quimérica SpiN em bactérias geneticamente modificadas. Lá também foram realizados testes para garantir pureza (ausência de contaminantes na formulação) e estabilidade (durabilidade em diferentes temperaturas).
“Os resultados mostraram que a vacina permanece viável por duas semanas em temperatura ambiente e por pelo menos seis meses armazenada a 4°C”, disse Gazzinelli, segundo quem testes de segurança e toxicidade foram realizados em ratos.
Segundo Gazzinelli, os ensaios clínicos são divididos em Fase I e Fase II. Espera-se que a Fase I imunize 80 pacientes para garantir que a vacina seja segura para humanos, enquanto a Fase II incluirá um grupo de 400 voluntários para testes de segurança da vacina e também para avaliação da imunogenicidade da vacina. capacidade de induzir uma resposta imune eficaz. Os ensaios serão realizados na Faculdade de Medicina da UFMG e serão conduzidos por Helton Santiago e Jorge Pinto, ambos professores de lá. Eles planejam vacinar pessoas que já receberam alguma das vacinas COVID-19 disponíveis pelo menos seis meses antes.
“Será uma injeção de reforço. Os voluntários do grupo de controle receberão a vacina AstraZeneca. Em seguida, compararemos os níveis de anticorpos neutralizantes contra SARS-CoV-2 e células T. Esperamos que nossa formulação desencadeie uma reação celular ainda mais forte. resposta imune.” Gazzinelli disse.
Fonte:
Referência da revista:
Castro, J.T. et ai. (2022) Promoção da imunidade neutralizante independente de anticorpos contra SARS-CoV-2 e variantes de tipo selvagem preocupantes usando uma proteína de fusão RBD-Nucleocapsid. comunicações da natureza. doi.org/10.1038/s41467-022-32547-y.