Depois de cinco meses, o Brasil finalmente pretende expandir os testes para Covid-19

Os países que lidaram melhor com a pandemia tinham estratégias de teste em massa

Logo no início da pandemia, o slogan da OMS (Organização Mundial da Saúde) para controlar o avanço do coronavírus era um: teste, teste, teste. A frase foi dita pelo Diretor-Geral da OMS, Tedros Adhanom, e ressoou em todo o mundo. Os países que melhor enfrentaram a pandemia contam com estratégias massivas de testes.

No Brasil, a recomendação esbarrou em falta de coordenação e teste de promessas que não foram cumpridas. Depois de cinco meses, a capacidade de teste do país está dando os primeiros passos.

Mas a recente inauguração de uma nova unidade de testes da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) no Rio de Janeiro, com capacidade de processamento de até 15 mil exames de RT-PCR por dia, e a expectativa de inauguração de outra unidade nesta segunda-feira (24), na região metropolitana de Fortaleza (CE), com capacidade para 10.000 amostras diárias, pode, finalmente, elevar o país ao patamar de exames em países como Estados Unidos e Inglaterra.

Os testes RT-PCR, método de referência para o diagnóstico do vírus no indivíduo e o isolamento dos casos positivos, representam 42% (5,78 milhões) do total de exames realizados no país, segundo dados do Ministério da Saúde . Os outros 58% (quase 8 milhões) são testes rápidos, ou testes sorológicos, que identificam pessoas que já tiveram contato com o vírus e, portanto, devem ser feitos a partir de 10? dia do contágio.

Contando os dois tipos de diagnóstico, a taxa de exames por mil habitantes no Brasil é de 64, uma taxa não tão ruim perto de países como Alemanha (102), Canadá (109) e Estados Unidos (171). Mas se considerarmos apenas os testes de RT-PCR, nossa taxa está em torno de 27. Um estudo da Red de Investigación Solidaria encontrou uma taxa ainda mais baixa: 13 testes por mil habitantes.

O baixo número de exames no país também impulsiona o alto índice de positividade de 33,2%. Embora outros países, como Argentina (43,7%) e Bolívia (44,6%) tenham taxas mais elevadas, ainda estamos muito longe do ideal recomendado pela OMS, de 5%. Nos Estados Unidos, único país à frente do Brasil em número de casos e óbitos, essa taxa de positividade é de 8,2%.
As duas unidades de teste foram construídas com recursos do Todos pela Saúde, fundo do Itaú Unibanco que arrecadou doações para o combate ao coronavírus. Com uma área de 2.000 m2 cada, serão importantes centros de processamento de testes. O governo federal, por meio do Ministério da Saúde, custeou a operação e a Fiocruz, os insumos. O equipamento necessário para a análise dos exames foi custeado pelo fundo.

Essas duas unidades se juntam a outros dois grandes centros federais que estão em funcionamento desde o final de abril. Um deles é o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), instituição de pesquisa vinculada à Fiocruz, que tem como função principal o desenvolvimento tecnológico e a produção de kits diagnósticos.

O IBMP produziu 2,2 milhões de kits de RT-PCR para o coronavírus para o Ministério da Saúde e a Fiocruz contribuiu com outros 3 milhões. A intenção é fornecer 11 milhões de kits até o final de setembro.

Além disso, o IBMP também iniciou a análise das amostras, processando cerca de 5.000 exames por dia. Junto com a unidade central da Fiocruz no Rio de Janeiro, a capacidade de testes desses centros de pesquisa girava em torno de 8 mil amostras por dia.

Pedro Barbosa, diretor-presidente do instituto e um dos membros do conselho médico de Todos pela Saúde, afirma que essa ampliação vai contribuir para o SUS ao oferecer a capacidade de testar mais de 40 mil exames diários, uma etapa importante no diagnóstico e controle da a epidemia no país.

“O primeiro obstáculo que tivemos no país foi a falta de suprimentos e a Fiocruz respondeu em tempo hábil com a produção de kits de RT-PCR. Hoje o estoque do ministério é de 10 milhões de kits. Superada a falta de kits, outro obstáculo foi testar apenas os casos internados em hospitais, o que era uma limitação para o controle efetivo da pandemia, com a mudança de protocolo passamos também a testar os casos leves e moderado, portanto, expandir a capacidade de teste é uma ferramenta fundamental. “

Esse diferencial também será importante para atingir uma menor taxa de positividade. “Se analisarmos apenas pacientes internados com condições graves em hospitais, é claro que atingiremos um índice de 40%, 50% de positividade. Mas, adotando uma estratégia de teste em massa, podemos, para cada 20 pessoas examinadas, ter um caso positivo identificado. .e o resto não tem o vírus. Isso nos aproxima muito do ideal de controle da pandemia ”, afirma Barbosa.

A quarta e última unidade foi resultado de uma aliança entre o Ministério da Saúde, a Fiocruz e o grupo Dasa, que juntos criaram um centro de diagnóstico de emergência em Barueri (SP). Com equipamentos cedidos pelo ministério e suprimentos da Fiocruz, a responsabilidade pela operação ficou com o grupo Dasa.

O centro de testes iniciou suas operações em abril, com capacidade média de processamento de 8.000 amostras por dia. O contrato prevê a operação por seis meses, mas esse prazo pode ser prorrogado se necessário.

Embora esses centros sejam unidades importantes de processamento de amostras, há uma complexidade logística significativa que não deve ser ignorada.

Para Gustavo Campana, patologista clínico e diretor médico da Dasa, a iniciativa foi muito importante principalmente para processar amostras excedentes de laboratórios públicos, o Lacens (Laboratório Central de Saúde Pública) e evitar filas para exames. No entanto, a principal dificuldade é a integração de sistemas. Isso porque cada amostra de swab coletada de um paciente com suspeita de Covid-19, realizada nas unidades básicas de saúde dos municípios, está inserida no GAL, sistema de gestão laboratorial vinculado às secretarias de vigilância epidemiológica do SUS.

“Precisamos ter certeza de que a amostra que foi coletada lá ao final, depois de processada em nossa unidade, retorna com informações seguras para verificar se o caso é positivo ou não, para então fazer essa notificação. Esse processo tem complicações desde a tecnologia até a logística, como transporte e armazenamento de amostras ”, explica Campana.

Barbosa compartilha da mesma preocupação. “A responsabilidade pela cobrança é dos municípios, não é ministério nem estado. Então, vejo o processo de testagem no Brasil de forma extremamente fragmentada, com coordenação descentralizada. Mas continuo otimista em acreditar que estamos em uma curva crescente de testes, e muito pelo esforço da Fiocruz e pelas alianças com a iniciativa privada. ”

Um ponto importante da logística é o transporte de amostras, que devem ser acondicionadas em temperaturas de refrigeração, entre 0? e 8 ° C, se transportado para uma unidade próxima, ou congelado em temperaturas abaixo de -70 ° C, se o processamento deve ocorrer dentro de 72 horas após a colheita.

Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, destaca que as dificuldades existem, mas foram superadas tanto pelas unidades ligadas à Fiocruz quanto pela própria estatal Lacens.

De acordo com o Ministério da Saúde, a média diária de testes de RT-PCR realizados na rede pública passou de 1.148 em março para 22.711 em agosto.

“A Fiocruz em conjunto com o Ministério da Saúde nos últimos dois meses conseguiu implantar um sistema logístico tanto para a construção desses centros quanto para o funcionamento, com distribuição das amostras via SUS, para retirar esse excedente dos estados . Temos certeza de que poderemos continuar aumentando a capacidade de testes no país ”, finaliza.

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