A desconfiança na direção das contas públicas do governo atingiu o chamado “porto seguro” da dívida brasileira, as LFTs, papéis atrelados à taxa Selic, a taxa básica de juros, considerada de menor risco para os investidores e que ampara o fundos de curto prazo. termo (DI).
Para comprar esses títulos, os investidores passaram a pedir uma remuneração acima da Selic (hoje em 2% ao ano, mínima histórica). Essa sobretaxa já atingiu 0,42% ao ano, equivalente a 42 pontos base.
Segundo analistas, este é mais um exemplo de sinais de deterioração dos indicadores do mercado financeiro devido à falta de resposta do governo e do Congresso ao aumento da dívida pública. A tensão no mercado de LFT vem após a forte desvalorização do real, o aumento das taxas de juros futuras e o encurtamento dos prazos da dívida pública.
Banco Central reconhece estresse
A preocupação com o elevado deságio das LFTs foi mencionada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em evento organizado pelo Itaú na última quinta-feira. Ele apresentou um gráfico que mostra a velocidade desse processo.
“A situação é de estresse fiscal. A questão é se vamos retomar os gastos no próximo ano”, disse o ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall. O atual diretor da ASA Investments, Kawall afirma que o problema com as LFTs indica um estágio mais avançado de piora das condições de mercado. A percepção é de que o mercado não tem apetite para financiar um aumento do endividamento que não seja temporário.
O movimento ocorre desde 11 de setembro e melhorou um pouco após o leilão do Tesouro da última quinta-feira, e também por conta dos sinais dos últimos dias de manutenção do teto de gastos (regra que impede o crescimento dos gastos acima do inflação) dada pelo governo e lideranças políticas, após o “jantar de pacificação” entre o Ministro da Economia, Paulo Guedes, e o prefeito, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na segunda-feira.
No leilão de LFT, o Tesouro obteve alívio na escalada do aumento do desconto com a menor oferta desses títulos. Ontem era 0,28%, patamar ainda considerado alto.
“A sequência é mais ou menos simples. Isso gera um aumento no custo da dívida, que fica mais caro. Isso acaba afetando o próprio custo do crédito e gera um aumento de juros para o governo, para o setor privado, para que estão levando dinheiro no banco ”, explica o ex-secretário da Fazenda.
Fundos de investimento com variação negativa
Kawall alerta para o risco de uma crise de liquidez no segmento de fundos de títulos DI, criando estresse para investidores conservadores que são avessos ao risco e despreparados para perdas em um produto que sempre é considerado livre de risco. “O problema é que quando o prêmio da LFT for aberto, corre-se o risco de uma cota negativa para fundos de investimento, o que aconteceu em setembro”, alerta.
Esse mesmo fenômeno ocorreu na crise de 2002. O então chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto (Demab), Sérgio Goldenstein, lembra que as LFTs representam 40% da dívida em títulos públicos e continuam sendo um dos principais instrumentos para financiar despesas, especialmente em tempos de crise. “LFTs sempre foram títulos de commodities”, diz Goldenstein, agora um analista independente da Omninvest.
O processo, avalia ele, também está vinculado à queda da Selic. De 2017 a 2019, o Tesouro vendeu em média 95% do que oferecia nessa função. Em 2020, a média caiu para 54%. Para ele, o risco desse processo é que o Tesouro concentre suas emissões em títulos de curto prazo, as LTN. A consequência é uma maior concentração de salários. Segundo ele, somente em abril de 2021 os vencimentos das LTN já somam R $ 270 bilhões.
Procurado, o Tesouro disse que nas últimas semanas houve um aumento no prêmio das LFTs negociadas no mercado secundário (que inclui negociação entre empresas e bancos), o que pode indicar que no período recente houve um maior fluxo de vendas do título.
A agência reconhece que, pelas características das LFT, essa oscilação de prêmios é muito rara e tende a ocorrer apenas nos momentos em que há um desequilíbrio mais significativo entre oferta e demanda no mercado secundário.
A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.