Conhecer a história de Tebas é ‘ver-se lendo a paisagem de São Paulo’, diz pesquisador | Consciência negra

Abílio Ferreira carrega consigo a história de um arquiteto negro escravizado no século 18, e seu objetivo é torná-lo conhecido. Funcionou. Joaquim Pinto de Oliveira, mais conhecido como Tebas, está prestes a ser homenageado com uma estátua no centro de São Paulo, bem próximo a um dos templos católicos que construiu, a Igreja da Ordem Terceira de Carmen.

“A pesquisa sobre Tebas, para mim, tem a ver com essa leitura da paisagem de São Paulo, desde que entrei no movimento da literatura negra. Comecei a desenvolver uma série de narrativas sobre a cidade de São Paulo, para que a cada nova Nessa leitura há informações sobre quem somos nós, enquanto população de ascendência africana e indígena. Uma população que raramente aparece nas narrativas presentes na paisagem paulista ou nas grandes cidades “, diz Abílio, pesquisador da história de Tebas.

Na Semana da Consciência Negra, o G1 publica a série especial “O que nos une”. Os relatos lembram importantes personagens negros e brancos da história do Brasil, pelo olhar de pessoas que se inspiraram neles ou que têm trajetórias semelhantes.

Abílio Ferreira relembra a história de Joaquim Pinto de Oliveira, o arquiteto do Tebas, em caminhadas pelo centro de São Paulo – Foto: Fábio Tito / G1

Organizador e coautor do livro “Tebas: um arquiteto negro na escravidão paulista” (2019), Abílio lembra que, após a proclamação da República, foi iniciado um projeto para a criação de uma “São Paulo europeia”. A ideia era promover o esquecimento do passado escravo do Brasil. “O Tebas acompanha esse processo”, diz Abílio.

Hoje, o movimento vai na contramão, e o legado do arquiteto escravizado começa a ser reconhecido mais de dois séculos após sua morte, em 1811. Tanto que, em 2018, foi reconhecido profissionalmente pelo Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo. , com base em documentos oficiais compilados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

“Tebas vem de Santos, uma cidade onde havia muita pedra, e vem para outra cidade onde não havia pedra, uma cidade toda feita de barro, como era o caso de São Paulo. A sua presença aqui, especialista em cantaria, é algo inovador. Por isso o Tebas vai promover a renovação da arquitetura principalmente nas fachadas das igrejas ”, diz Abílio.

Abílio Ferreira relembra a história de Joaquim Pinto de Oliveira, o arquiteto do Tebas, em caminhadas pelo centro de São Paulo – Foto: Fábio Tito / G1

Segundo o escritor, é nesse momento que Tebas se torna protagonista. Ainda escravo, passa a liderar as obras, processos e empresas das quais participa. Pouco depois, ele é solto em um processo contra a viúva de seu dono.

Abílio lembra como passou a ser influenciado pelo meio ambiente e a se ver negro na sociedade. “Eu, jovem, cresci na periferia, nos anos 70, em meio à ditadura militar, mas também no surgimento da soul music, das danças negras, com a luta pelos direitos civis nos EUA e a independência dos países africanos … Há a fundação de um fenômeno coletivo da literatura negra brasileira, e é aí que eu entro ”, diz Abílio.

Abílio Ferreira relembra a história de Joaquim Pinto de Oliveira, o arquiteto do Tebas, em caminhadas pelo centro de São Paulo – Foto: Fábio Tito / G1

Ingressou no grupo Quilombhoje Literatura de 1984 a 1990 e conciliou as carreiras de escritor e jornalista. “Isso, aliado a esse negro da periferia da época, me fez desenvolver um olhar sobre a cidade de São Paulo que combina pesquisa historiográfica com imaginação”, lembra.

Ele conheceu Tebas pela primeira vez quando começou a trabalhar como assessor de comunicação da Subprefeitura de Cidade Tiradentes, na Zona Leste. “Lá eles tiveram um processo chamado Semana de Ciência, Tecnologia e Educação de Tebas, desde 2005. E a partir daí comecei a buscar mais informações sobre o personagem”, conta.

Uma das obras mais conhecidas de Joaquim Pinto de Oliveira foi uma fonte, que teve uma função primordial para a cidade há 200 anos. Foi o primeiro posto de captação de água pública em São Paulo. “Essa obra ficou conhecida como Chafariz do Tebas. Minha hipótese é que recebeu esse apelido de Tebas pela popularidade que a fonte alcançou ”, supõe Abílio.

Abílio Ferreira relembra a história de Joaquim Pinto de Oliveira, o arquiteto do Tebas, em caminhadas pelo centro de São Paulo – Foto: Fábio Tito / G1

“O legado de Tebas para a atividade arquitetônica reside principalmente na renovação estilística que ela promoveu na arquitetura do século 18 em São Paulo”, afirma o pesquisador Abílio Ferreira.

Uma curiosidade sobre a Igreja da Ordem Terceira de Carmen, diante da qual o escritor conversou com o G1, é que outro homem negro estava intimamente relacionado com a ornamentação do templo. O Padre Jesuíno do Monte Carmelo pintou várias obras na igreja, sendo a principal delas a enorme pintura do tecto da nave. Apesar disso, ele está ciente de um fato.

“Embora esses autores negros estejam aqui na história desta igreja, a única figura negra que encontramos aqui representada nas paredes é a padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida”, diz.

Agradecimentos: a Emanoel Araújo, artista e autor de ‘A Mão Afro-Brasileira’; a Igreja da Ordem Terceira de Carmen, Thiago Andrade; a pesquisadora Heloísa Pires (USP); colegas Marcelo Brandt e Clara Velasco.

Abílio Ferreira relembra a história de Joaquim Pinto de Oliveira, o arquiteto do Tebas, em caminhadas pelo centro de São Paulo – Foto: Fábio Tito / G1

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