SÃO PAULO – Megaprojetos econômicos no litoral brasileiro e próximos a rios ameaçam territórios e atividades de comunidades de pescadores artesanais em todo o país, segundo o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) da Conferência Episcopal.
Nos últimos anos, dezenas de grupos de pescadores sentiram o impacto em áreas que tradicionalmente ocupavam da mineração em grande escala, exploração de petróleo, geração de energia eólica e solar, agronegócio, iniciativas de turismo, portos e hidrovias.
“A maioria desses projetos impõe restrições ao acesso das comunidades aos pesqueiros, elevando os custos operacionais e o tempo de deslocamento”, explica Francisco Nonato, secretário executivo do CPP.
Desde o final de 2022, Nonato e seus colegas têm dado atenção especial aos comunicados de empresários e autoridades sobre planos envolvendo a chamada “economia azul”, ligada ao meio ambiente marinho.
“Grandes corporações estão se preparando para explorar minerais no fundo do mar, expandir a extração de petróleo offshore etc. Alguns desses projetos já começaram e em muitos casos os pescadores artesanais são deixados de lado”, disse. Crux.
Mesmo ações que são boas para o meio ambiente, como a produção de energia limpa, estão causando problemas para as comunidades pesqueiras, disse Nonato.
“Muitas instalações eólicas e solares estão sendo construídas na costa nordeste do país sem se preocupar com esses grupos. Seus territórios são invadidos e acabam sendo impedidos de continuar pescando onde antes”, disse.
É o caso do estado do Maranhão, explicou o agente de pastoral do CPP, Gilberto Lima.
“Não somos contra a energia eólica, mas a forma como [facilities] estão sendo implementadas é negativo. Os pescadores estão sendo expulsos de suas terras”, disse. Crux.
Lima afirmou que muitas vezes não são realizados estudos prévios sobre o impacto social deste tipo de usinas e muitas vezes as comunidades são enganadas quando as empresas responsáveis anunciam seus planos.
“Quando chegam, prometem que vão construir estradas e escolas e que vão contratar gente para trabalhar na usina. Após a implementação, eles simplesmente desaparecem”, descreveu.
Um desses projetos está sendo implantado em uma cidade do estado e pode causar o deslocamento de 100 famílias, segundo Lima.
As usinas também podem resultar na destruição de manguezais, que são criadouros críticos para várias espécies de peixes, acrescentou Nonato. Esses biomas também estão sendo afetados pela carcinicultura no litoral e pelos empreendimentos turísticos e imobiliários.
No início deste mês, um grupo de pescadores protestou em frente ao órgão ambiental do estado da Bahia contra um grande empreendimento imobiliário na ilha de Boipeba.
O empreendimento obteve algumas das licenças necessárias das autoridades, apesar de as comunidades locais não terem sido consultadas a esse respeito. O território pertence ao governo e será parcialmente cedido a incorporadoras imobiliárias.
Os manifestantes argumentam que serão totalmente cercados pelo projeto da classe alta, perdendo seu território e pesqueiros.
As comunidades ribeirinhas de pescadores enfrentam os mesmos desafios, explicou Josana Pinto da Costa, líder nacional do Movimento dos Pescadores Artesanais (MPP).
“Empresas poderosas têm impulsionado a construção de portos e a criação de hidrovias sem considerar as necessidades das comunidades pesqueiras”, disse. Crux.
No oeste do Pará, na Amazônia, pescadores denunciam a construção ilegal de vários portos às margens do rio Tapajós.
“Eles estão proibidos de descarregar nos locais onde sempre venderam o pescado. É comum que recebam ameaças. Muitos deles têm medo e evitam participar das assembléias de pescadores”, disse da Costa.
Grandes exportadores de soja e mineradoras querem se apropriar do rio para enviar seus produtos ao litoral com custos menores.
“Estamos cercados por esses grupos econômicos fortes, que conseguiram corromper as autoridades”, declarou.
Muitos rios da Amazônia e de outros biomas estão contaminados com metais pesados utilizados na mineração, o que impacta diretamente os pescadores.
“Existem muitos casos de pessoas contaminadas com mercúrio”, disse da Costa.
Próximo às fazendas, os rios recebem resíduos de agrotóxicos, que também contaminam os peixes e às vezes reduzem seus estoques, disse Gilberto Lima.
“Algumas comunidades acabam desistindo de entrar na água para trabalhar”, lamentou.
Da Costa disse que muitos movimentos de pescadores se uniram para denunciar esse tipo de agressão, inclusive grupos católicos.
“Depois do Sínodo da Amazônia, percebemos que muitas dioceses e paróquias entenderam a importância de proteger nossa casa comum”, disse ele. Mas a mensagem de Laudato si’ ainda não alcançou os corações dos paroquianos e até mesmo dos membros do clero, acrescentou.
Nonato disse que o CPP, em conjunto com o MPP e outras entidades, propôs um projeto de lei com o intuito de promover a regularização dos territórios de todas as comunidades pesqueiras do país. Atualmente aguarda análise no Congresso.
“Temos seguido o conselho do Papa Francisco sobre a necessidade de construir amplas alianças para defender nossa casa comum”, concluiu.