Se a vacina contra o covid-19 começa a se tornar realidade, a disputa pelo seu controle adquire dimensões políticas e ares de um novo confronto comercial.
Nesta sexta-feira, a OMC se reuniu novamente para discutir a proposta liderada por Índia e África do Sul de suspender a propriedade intelectual de todos os produtos relacionados ao tratamento contra o covid-19. Mas os países ricos e o Brasil se recusaram a aceitar a ideia, abrindo um impasse.
No total, 99 dos cerca de 160 países membros da entidade anunciaram seu apoio ao projeto de suspensão do pedido de patente para produtos relacionados ao covid-19. O objetivo é garantir que a propriedade intelectual não seja um obstáculo ao acesso de bilhões de pessoas ao redor do mundo à vacina, até que haja imunidade coletiva contra o vírus no mundo. Entidades internacionais, como a OMS, apoiaram a ideia, assim como movimentos sociais e igrejas em todo o mundo.
Mas, revertendo décadas de uma postura tradicional da diplomacia brasileira, o Itamaraty optou por se recusar a ingressar no grupo que sugere a suspensão das patentes.
Sem um acordo, a OMC anunciou uma nova reunião para 10 de dezembro. Mas, segundo diplomatas, é improvável que haja uma mudança na atitude dos governos até então.
O argumento dos países ricos e do Brasil é que a suspensão de patentes poderia afetar os incentivos que suas farmacêuticas teriam para investir em inovações. Hoje, as três grandes promessas para as vacinas covid-19 vêm de empresas com sede na Europa ou nos Estados Unidos. Nas negociações para venda de produtos, nenhum deles renunciou às patentes.
Sem patentes, a ideia é que os países possam ampliar a produção de genéricos ou reduzir o pagamento de royalties a essas empresas. Além disso, as condições favoráveis em negociação são válidas apenas durante um período de pandemia. No caso do Brasil, o acordo com a AstraZeneca revela que é a empresa que tem o poder de declarar quando termina este período pandêmico.
Para o Itamaraty, as regras comerciais de propriedade intelectual, conhecidas como TRIPS, já permitem flexibilidade suficiente para que, se necessário, os governos possam solicitar a quebra de patentes. Na década de 1990 e no início do século 21, o Brasil liderou o movimento global por um acesso mais justo ao tratamento para Aids.
No caso do Brasil e dos países ricos, a ordem da reunião de hoje foi opor-se veementemente à proposta, lembrando que não há indícios de que os direitos de propriedade intelectual tenham sido uma barreira real ao acesso a medicamentos e tecnologias relacionadas. COVID 19.
Brasil questiona proposta e avisa que não seria uma solução global
No caso do Brasil, após solicitar esclarecimentos, o Itamaraty aproveitou mais uma vez o encontro para solicitar novos esclarecimentos aos países emergentes. O governo questiona por que haveria uma suspensão de direitos autorais ou desenhos industriais.
O Brasil também questionou se a proposta seria realmente a forma mais rápida de acesso aos produtos, já que tais medidas deveriam passar pelos parlamentos nacionais.
“Nesse cenário, o uso das flexibilidades do TRIPS, como licenças compulsórias, pode ser uma forma rápida de acessar suprimentos vitais de medicamentos e terapias relacionadas ao COVID-19”, defendeu o Itamaraty.
O governo também deixou claro que suspender patentes não seria uma solução global. “A suspensão dificilmente seria uma solução global se considerarmos que vários membros podem não implementá-la”, alertou. Isso porque optam por não seguir o caminho ou por dificuldades legislativas. A recusa de suspender patentes ainda pode estar ligada às obrigações que esses governos teriam sob acordos bilaterais ou regionais.
Para o Brasil, a estratégia deve ser diferente. “Gostaríamos de reiterar nossa visão de que as flexibilidades do TRIPS, entre outros instrumentos à disposição dos Estados Membros, como a colaboração internacional e o licenciamento voluntário, podem e devem ser usados para aumentar a produção de produtos médicos e garantir um fornecimento acessível “, defendeu o governo.
O Itamaraty sugeriu aos países emergentes que essas rotas fossem exploradas para “atingir os objetivos de suas políticas de saúde”.
Os países ricos dizem que não são as patentes que impedem o acesso
Os Estados Unidos, a União Europeia, o Japão, o Canadá e a Suíça reconheceram que o fornecimento sustentado e contínuo desses medicamentos e tecnologias é uma tarefa difícil. Mas eles alertaram que sistemas de compra e saúde com poucos recursos e ineficientes, a demanda e a falta de capacidade de fabricação têm muito mais probabilidade de impedir o acesso a esses materiais do que as patentes.
Para os países ricos, suspender patentes, mesmo por um período limitado de tempo, não era apenas desnecessário, mas também dificultaria os esforços colaborativos para combater a pandemia que já está em andamento.
Graça
Os autores da proposta, Índia, África do Sul e Quênia, alertaram que a pandemia requer acesso rápido a produtos médicos acessíveis, como kits de diagnóstico, máscaras médicas, outros equipamentos de proteção individual e ventiladores, bem como vacinas e medicamentos.
Para ele, o surto levou a um rápido aumento da demanda global, com muitos países enfrentando escassez, o que limita sua capacidade de responder de forma eficaz ao surto. De acordo com o grupo, à medida que novos diagnósticos, terapias e vacinas para COVID-19 são desenvolvidos, grandes preocupações permanecem sobre como eles estarão disponíveis rapidamente, em quantidades suficientes e a preços acessíveis para atender à demanda global.
A defesa dos países emergentes foi que a OMC deve agir para derrotar a pandemia e que os governos devem assumir a responsabilidade coletiva e colocar a vida das pessoas acima de tudo.
“Como guardiões da ordem comercial mundial, acho que ninguém gostaria de ser conhecido por salvar peixes, mas não vidas humanas”, disse o Paquistão.
Outro grupo de membros, formado por China, Ucrânia, Chile, Equador, México, Turquia e El Salvador, aplaudiu a proposta, mas disse que ainda está estudando seus detalhes e pediu esclarecimentos sobre alguns pontos.