O Brasil tem tratados de dupla tributação (TDTs) em vigor com mais de 35 países, incluindo França, Áustria, Suécia, Japão, Espanha, Itália, Holanda, China, Portugal e México. Embora a maioria desses países tenha uma interpretação comum sobre a aplicação de um TDT às taxas de serviço, que atribui direitos tributários ao país de origem do prestador de serviço e impede a imposição de imposto retido na fonte (IRRF) no país de origem, a administração tributária brasileira tem historicamente adotou uma posição conflitante sobre o assunto.
De acordo com o Ato Declaratório 1/2000, os valores pagos por brasileiro a beneficiário estrangeiro em contrapartida à prestação de serviços técnicos, sem transferência de tecnologia, não se enquadram no conceito de “lucros empresariais”, conforme previsto no art. TDT. A Receita Federal do Brasil costumava alegar que esses pagamentos se enquadram no escopo do artigo 21 (outras receitas), que no caso das TDTs brasileiras geralmente aloca poderes tributários tanto para os países de origem quanto de residência.
A consequência prática da posição acima é que o Brasil era livre para impor seu IRRF (geralmente a uma alíquota de 15%) sobre as taxas de serviço de saída, enquanto o outro país – onde o beneficiário reside – teria que conceder um crédito fiscal ou isenção.
As questões decorrentes de tal posição unilateral são duas:
- a TDT não imporá qualquer limitação à tarifa aplicada pelo país de origem (Brasil); e
- o país de residência pode não concordar com a posição brasileira e pode se recusar a conceder um crédito tributário ou uma isenção, levando a uma possível dupla tributação, exatamente o que a TDT deve evitar.
Além dessa posição unilateral, o Brasil tem aumentado consistentemente a carga tributária incidente sobre as tarifas de serviços outbound, por meio da introdução de tributos não cobertos pelas TDTs. De fato, de acordo com a legislação nacional brasileira, os impostos aplicados à importação de serviços podem chegar a 50%, considerando alíquotas nominais – por exemplo, 15% a 25% WHT; 5% de imposto municipal sobre serviços; 10% Contribuição Federal CIDE; 9,25% do encargo previdenciário na importação; e 0,38% de imposto financeiro sobre operações de câmbio.
Posição mais recente adotada pela Receita Federal do Brasil
Atendendo a um pedido de informações apresentado pelo governo finlandês, no final de 2013 a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional emitiu parecer sobre a aplicação de TDT às taxas de serviço (Parecer PGFN 2.363/2013). De acordo com tal parecer, a definição de “lucro empresarial” de empresas estrangeiras deve incluir pagamentos feitos por fontes brasileiras em contrapartida de serviços técnicos sem transferência de tecnologia.
Na prática, o parecer reconhece a aplicação do artigo 7º do TDT (lucros empresariais) às taxas de serviço, caso em que a competência tributária é atribuída exclusivamente ao país de residência, impedindo o Brasil de recolher quaisquer impostos (de renda) sobre tais pagamentos (a menos que as taxas são imputáveis a um estabelecimento estável do beneficiário situado no Brasil).
Alguns meses após a divulgação do parecer, a administração tributária brasileira revisou a posição anterior. De acordo com o Ato Declaratório 5/2014, o tratamento tributário aplicável aos honorários pagos por fontes brasileiras a pessoas físicas ou jurídicas no exterior em contrapartida à prestação de serviços técnicos, com ou sem transferência de tecnologia, deve ser determinado com base no artigo 7º (lucros empresariais ) do TDT.
De acordo com o Ato Declaratório 5/2014, o artigo 7º não se aplica aos casos em que o protocolo TDT equipara serviços técnicos a royalties – neste caso, aplica-se o artigo 12 (royalties) – bem como quando a prestação de serviços técnicos estiver relacionada à qualificação técnica de uma pessoa ou grupo de pessoas, podendo neste caso aplicar-se o artigo 14.º (serviços pessoais autónomos).
Consequências Práticas da Declaração Ato 5/2014
O principal efeito prático do Ato Declaratório 5/2014 é que as taxas de serviço pagas por empresa ou pessoa física brasileira a beneficiário estrangeiro não poderão mais estar sujeitas ao IRRF brasileiro caso haja TDT em vigor entre o Brasil e o país onde o beneficiário está localizado.
No entanto, tal posição pode ter um alcance limitado, pois a maioria das TDTs brasileiras incluem disposições adicionais em seus protocolos, afirmando que o conceito de royalties abrange, para fins de tratado, receitas de serviços técnicos. A qualificação de taxas de serviço como “royalties” nos termos do artigo 12 de uma TDT brasileira teria um impacto negativo, pois tal artigo geralmente dá direito a ambos os países de tributar royalties, permitindo assim que o Brasil imponha um IRRF sobre pagamentos transfronteiriços. (O Artigo 12 das TDTs brasileiras diverge da Convenção Modelo da OCDE. Enquanto o Modelo da OCDE atribui direitos tributários exclusivos ao país de residência, as TDTs brasileiras permitem que ambos os países tributem royalties, geralmente com uma limitação de alíquota de 15% ou 10% no país de origem. )
Alguns autores contestam a posição da Receita Federal que pretende qualificar as taxas de serviço como “royalties” com base em protocolos de TDT. Esses autores alegam que nem todos os serviços técnicos devem ser tratados como royalties, mas apenas aqueles que são instrumentais para a transferência de tecnologia ou know-how. De fato, quando o Ato Declaratório 5/2014 tenta estender a aplicação do artigo 12 (royalties) às taxas de serviços, independentemente de esses serviços estarem vinculados a know-how ou contrato de transferência de tecnologia, parece ir muito além da definição de “royalties” previstos nas TDTs.
O outro lado da controvérsia acima é que algumas TDTs brasileiras não contêm cláusulas semelhantes em seus protocolos (é o caso das TDTs com França, Áustria, Suécia, Japão e Finlândia). Para esses casos, a aplicação (incontroversa) do artigo 7º garantirá que o Brasil seja impedido de exercer seus poderes tributários.
Conclusão e próximos passos
Embora o alcance do Ato Declaratório 5/2014 seja um pouco limitado, ele representa claramente um desenvolvimento positivo na aplicação das TDTs no Brasil. De acordo com essa decisão, as taxas devidas a prestadores de serviços (pessoas jurídicas) com domicílio fiscal na França, Áustria, Suécia, Japão e Finlândia se enquadram no artigo 7º da TDT e, portanto, não estão sujeitas ao IRRF brasileiro (que de outra forma seria aplicável em a taxa de 15%).
Quanto às transações com outros países abrangidos por um TDT, ainda existe controvérsia sobre se tais taxas devem ser qualificadas como “lucros empresariais” nos termos do artigo 7º ou como “royalties” nos termos do artigo 12. Tal controvérsia já levou muitas empresas brasileiras a ajuizar ações judiciais para pleitear a aplicação do artigo 7º e não estar sujeito ao IRRF no âmbito das TDT, sendo que a maioria das decisões judiciais proferidas até agora foram favoráveis a tais contribuintes. Espera-se que o Superior Tribunal de Justiça do Brasil emita uma posição final sobre o assunto em breve.
Assim, grupos multinacionais que tenham celebrado contratos de prestação de serviços transfronteiriços com suas subsidiárias brasileiras podem considerar a possibilidade de rever suas posições tributárias em vista da aplicação de TDTs e, se for o caso, ajuizar ações individuais para reivindicar seu direito de não pagar o WHT, bem como obter restituição de imposto de WHT que tenha sido indevidamente pago no passado.
Este artigo não reflete necessariamente a opinião do Bureau of National Affairs, Inc., o editor da Bloomberg Law e Bloomberg Tax, ou de seus proprietários.
Sobre o autor
Ricardo Maitto é sócio tributário do Tozzini Freire Advogados, Brasil.
O autor pode ser contatado em: [email protected]