“A Terra pode ficar tão quente devido ao aquecimento global que vai começar a se transformar em um planeta duro e ácido como Vênus. ”
Parece uma profecia, mas a frase é um alerta do astrofísico especialista em atmosfera venusiana, Pedro Machado, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em Portugal.
“Parece um cenário assustador, mas infelizmente o aquecimento global descontrolado da Terra pode fazer com que toda a água que temos hoje evapore”, explica Machado. Ele é um colaborador do grupo de cientistas que anunciou esta semana. a descoberta da fosfina nas nuvens de Vênus, apontando para a possibilidade de vida microbiana no planeta.
O astrônomo Lewis Dartnell, professor da Universidade de Westminster no Reino Unido e autor do livro ‘Origens: Como a Terra nos Criou’, também acredita nessa possibilidade de que a Terra se torne um lugar como Vênus.
“[Com o aumento das temperaturas] Os mares começarão a evaporar muito mais rápido. Todo esse vapor na atmosfera agirá como um gás de efeito estufa e prenderá mais do calor do Sol na Terra; os oceanos ficarão secos e as próprias rochas começarão a se quebrar para liberar grandes quantidades de dióxido de carbono “, diz Dartnell.
A “boa notícia”, brinca Machado, é que a catástrofe climática e ambiental terrestre por conta do aquecimento global pode não ser tão devastadora quanto no planeta vizinho.
“A água dos oceanos funciona como uma esponja que remove dióxido de carbono da atmosfera. Estimamos que Vênus originalmente tinha água líquida, mas em uma quantidade muito menor que a da Terra. Além disso, Vênus está 30% mais perto do sol do que nós, recebendo o dobro da radiação solar por segundo ”, explica o astrofísico português.
Dartnell lembra, porém, que o sol está ficando mais quente, então a vantagem de estar mais longe dele não será tão relevante no futuro como é hoje.
“O sol fica cada vez mais quente à medida que envelhece como uma estrela. Então, em algum momento no futuro, a Terra ficará muito quente e começará a se transformar em um planeta como Vênus”, diz Dartnell.
Aquecimento global terrestre e venusiano
A imagem do planeta Vênus é uma combinação de dados da espaçonave Magellan da NASA e da Pioneer Venus Orbiter – Foto: NASA / JPL-Caltech
No caso da Terra, é preciso considerar também o relato do aquecimento global pela ação do homem, que tem acelerado o fenômeno, principalmente com a queima de combustíveis fósseis.
De acordo com um relatório publicado em 2018 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), agência ligada à ONU, o aquecimento global causado pela ação humana já pode ser visto em diversos fatores, incluindo mudanças de temperatura tanto em superfícies terrestres quanto nos oceanos.
Também há evidências de que o aquecimento global alterou a frequência e a duração das ondas de calor marinhas e o volume de chuvas em escala global, além de secas acentuadas na região do Mediterrâneo.
“O controle das emissões de gás carbônico é grave, que deve ser seguido à risca, mas estamos vendo o contrário em algumas partes”, alerta Machado.
“Quando queimamos e desmatamos florestas, estamos liberando na atmosfera dióxido de carbono que a natureza aprisiona há anos. Estamos liberando o dragão”, diz Machado, citando como exemplo as queimadas e queimadas que ocorrem na Amazônia e no Pantanal.
“A árvore continua sendo a tecnologia mais eficiente para retirar o dióxido de carbono da atmosfera e desacelerar o aquecimento global”, afirma o astrofísico.
O astrofísico Stephane Vaz Werner, pesquisador da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, explica que é exatamente a enorme concentração de dióxido de carbono que torna Vênus o planeta mais quente do Sistema Solar, por volta dos 460ºC.
“A atmosfera de Vênus é tão densa que os raios do sol ficam ‘aprisionados’ no planeta. Esse processo mantém sua temperatura muito alta”, explica Werner.
A astrofísica afirma que o efeito estufa que ocorre no planeta vizinho é muito mais intenso do que o que ocorre na Terra devido à água em estado líquido. “Mas a essência do efeito estufa em Vênus e na Terra é a mesma”, diz Werner.
“Vênus é o melhor exemplo de como o aquecimento global pode destruir as condições favoráveis à vida. Já foi considerado um gêmeo da Terra, mas evoluiu de forma diferente e se tornou um incinerador capaz de derreter até mesmo metal e chumbo.” Machado aponta.
Em 2016, a NASA, a agência espacial dos EUA, publicou um estudo dizendo que, por 2 milhões de anos, Vênus possivelmente teve uma temperatura habitável, um clima temperado e água líquida em sua superfície. Devido ao aquecimento global, os oceanos secaram e a atmosfera tornou-se uma estufa muito densa, prendendo o calor no planeta.
Embora a atmosfera de Vênus seja um incinerador com centenas de graus Celsius, como Machado a descreve, a superfície do planeta tem temperaturas muito mais amenas.
“À medida que subimos acima da superfície de Vênus, a temperatura e a pressão diminuem. No ponto em que estava a fosfina, por exemplo, a temperatura ficava em torno de 20ºC ”, explica Machado.
Portanto, para Dartnell, se a existência de vida microbiana nas nuvens de Vênus for realmente comprovada, estaremos diante do que o astrônomo chama de “refugiados do clima”.
“Se os mares de Vênus estivessem vivos, à medida que o planeta se tornava cada vez mais quente durante esse processo de estufa descontrolado, as formas de vida microbiana teriam que migrar cada vez mais para cima na atmosfera para permanecer na zona habitável. existe vida nas nuvens ácidas de Vênus hoje, elas seriam refugiadas do clima de uma superfície em ebulição “, diz Dartnell.