Uma das percepções mais curiosas daqueles que se dedicaram a observar o desenvolvimento infantil sugere que nossa tendência a aprender é uma característica definidora de nossa espécie, mas também um tipo de maldição. Em outras palavras, não podemos parar de aprender.
Aquele que se desvia dos estudos ou se recusa a participar de esquemas formais de aprendizagem geralmente está interessado apenas em aprender outra coisa, de outra maneira. Isso ajuda a entender por que os alunos medíocres ou medianos podem se tornar líderes em suas atividades profissionais ou familiares, enquanto os verdadeiros gênios da classe frequentemente acabam lá, na sala de aula. Existem jovens interessados nas ruas, em videogames, em relacionamentos intersubjetivos ou mesmo em música e são excluídos e inadequados em vista dos planos formais de estudo e de sua rede de expectativas de desempenho.
Freqüentemente, essas duas circunstâncias se reúnem para diminuir os que permanecem na sala de aula, também chamados de professores, que, invertendo a antiga hierarquia, agora são falhas no mundo real. A disputa entre educação formal e informal, entre conhecimento instituído e conhecimento popular, entre educação para emancipação ou educação para o mercado tende a continuar. De certa forma, faz parte da história da educação.
O que há de novo na abordagem da educação no Brasil, seja na educação básica, na universidade ou na pesquisa, é o surgimento do que poderia ser chamado de tecnologias educacionais. Dizemos que alguém não tem educação quando corrompe as regras formais de cortesia e etiqueta, esperadas para um certo estado de civilização ou contexto situacional.
Norbert Elias mostrou como a separação entre a maneira como nos comportamos nos espaços público e privado é um dos elementos característicos do processo civilizador moderno. A partir do século XVI, começamos a aprender coisas como não cuspir no meio da sala, não comer com as mãos, mas com talheres, sem exalar ou expelir odores.[1]. O rótulo torna-se assim a “pouca ética” em que aprendemos a lidar com o outro e conosco mesmos, com nossos desejos e suas expressões.
Imanuel Kant desenvolveu a imagem de que a vida social poderia ser deduzida da maneira como nos comportamos na “sociedade da mesa” (Tischgesellschaft). A maneira como falamos e deixamos os outros falarem, a maneira como aceitamos ou solicitamos elementos da tabela, bem como os tópicos e a maneira de abordá-los são uma miniatura de nossos códigos sociais. Depois disso, os não civilizados começaram a se diferenciar dos incultos. Quem não recebeu a educação como disciplina do corpo, é um “formalmente educado”, aquele que não aprofundou seu repertório em certos conhecimentos valiosos, é um “conteúdo educado”.
O rude é alguém que não foi exposto ou não incorporou a tecnologia dos costumes, classe social ou cultura de seu país. Quem não domina o código cultural hegemônico de sua época, ou que é esperado de acordo com seu tipo social, ainda pode afirmar que participa de outro repertório cultural, por exemplo, como estrangeiro, divergente ou alternativo. A noção de ignorância não se aplica da mesma maneira nos dois casos.
Mas o que temos hoje no Brasil é uma arte política da educação, ou seja, um incentivo, metódico e ordenado, por certas autoridades políticas, para quem domina tecnologias civilizadoras e uma certa compreensão do repertório do conhecimento convencional. , comporte-se inversamente ao que foi formalmente incorporado à escola. É uma inversão da ocupação do espaço público pelas formas e práticas dos espaços privados. Isso é mostrado, em linguagem direta, na expressão de convicções, no método de exercer poder e até em exposições de preferências alimentares e sexuais.
Como vimos, não é possível parar de aprender, mas sob certas condições é possível negar o que foi aprendido, criando assim um falso ignorante. Faz parte da estética do petróleo bruto, que caracteriza essa forma de arte, contra a civilização, criar personagens miméticos, que se comportam como “pessoas verdadeiras e autênticas” se comportariam. “Os caminhos familiares e privados devem ser um modelo de tratamento porque isso mostra como a falta de educação é, na prática, a autorização do que todo mundo já sabe fazer. É suficiente autorizar o espontâneo, como sinônimo de incivilizado e inculturado, para que o “espontâneo” se sinta imediatamente empoderado.
O confronto de práticas científicas também é parte essencial da educação, pois indica que nosso conhecimento não precisa ser confrontado com o que ainda não sabemos. Como se o conhecimento tivesse uma estrutura fechada que aumenta a segurança dos adeptos pelo número de crentes que pode reunir.
A arte da educação não pode ser praticada, principalmente, pelos verdadeiramente excluídos dos processos educacionais formais ou precários do ponto de vista da qualidade do repertório cultural. É por isso que é uma tecnologia contra-civilizadora que foi formada entre as elites brancas, masculinas e motorizadas do país e depois se espalhou como boas notícias para as classes epistemicamente excluídas. Esta boa notícia diz: “Não há necessidade de escolas ou universidades, ciência ou especialistas, ‘nós’ já sabemos tudo o que há para saber, apenas se livre das camadas de poeira ideológica que as tentativas educacionais colocaram em você”. Uma maneira eficaz de retirar o investimento em educação, sob aplausos populares.
Mas a educação não é alcançada por decreto. Envolve um trabalho paciente e persistente de rejeitar todos os sinais que tornam a educação formal um processo no qual você primeiro se submete (a um autor, uma ideia, um método, uma disciplina) e depois se separa, mantendo e fazendo o seu À sua maneira, que tradição o deixou como patrimônio cultural. Na educação, há apenas rejeição, não há tempo para assumir o ponto de visita do outro. No caso da educação, o outro já disse tudo o que havia para dizer, agora é uma questão de apagar seus erros e falar mais alto que seus sucessos.
Poucos países realmente tentaram esse processo educacional, o que implica reformas educacionais, críticas e destruição do patrimônio cultural de um país. A ironia é que esse processo tem um nome. É chamado de revolução cultural. Existem mais dois casos bem conhecidos de revolução cultural: a China e o Camboja, de Mao Zedong, governados pelo Khmer Vermelho.
A revolução da cultura chinesa de 1966-1976 foi uma estratégia para lidar com o fracasso econômico do que o Grande Timoneiro chamou de “o grande salto adiante”, que acabou com a fome de milhões de chineses. Os comitês revolucionários atacaram principalmente os intelectuais, professores e políticos acusados de deslealdade ao grande líder. O ensino nas universidades foi quase paralisado e completamente substituído pelo “Livro Vermelho”, que para os maoístas continha tudo o que era necessário saber. O ensino realizado diretamente no local de trabalho mostrou-se prático, eficaz e ideológico.
A revolução cultural do Camboja, liderada por Pol Pot, entre 1975 e 1979, foi baseada no ódio alimentado contra governantes anteriores. O simples fato de ser professor ou educador era visto como suspeito. As escolas foram desativadas ou transformadas em depósitos de animais. O Khmer Vermelho queria que o país retornasse, pelo menos vinte anos, retornando a um momento agrário e a uma forte verticalização do poder. Com essa plataforma, o que realmente aconteceu foi a expansão do nepotismo, com a família Pol Pot cuidando dos negócios lucrativos do país e estimulando a formação de milícias cuja função era denunciar, atacar ou desacreditar qualquer pessoa que tivesse contato com o conhecimento. a ciência européia estrangeira era vista como um instrumento de colonização e uma maneira de saber que precisava ser eliminada. Logo depois, a educação foi militarizada, servindo principalmente os filhos de generais do país e funcionários do governo. Em nome do combate à corrupção, o país instituiu uma corrupção concentrada e foi administrado por seus líderes.
Agora, a nova revolução cultural brasileira tem uma curiosa proximidade com duas experiências consideradas socialistas, mas que são basicamente exemplos de como a educação pode funcionar como uma estratégia política tentadora em países onde a distribuição de bens simbólicos, como educação e cultura, é persistentemente muito injusto.
REFERÊNCIA
[1] Elias, N. (1939) O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.