Camisa basca, máscara do Botafogo: pai de Ygor Catatau está dividido entre o trabalho e as paixões

Cobal do Leblon, Zona Sul do Rio, 12h, sol a pino. Ao longe, uma figura peculiar se aproxima de uma bicicleta. Tomando cuidado para não forçar o joelho – herança de uma lesão que acabou com o sonho de ser jogador de futebol – desce um homem calvo, com braços fortes talhados pelo trabalho, com a camisa do Vasco e, no rosto, uma máscara de. Botafogo.

Então Jorge da Silva, 45, foi trabalhar ontem, um homem feliz por ver seu filho marcar um gol no próprio coração. Ele é pai de Ygor Catatau, de 25 anos, contratado pelo Vasco depois de um bom aproveitamento em Madureira, e que acertou um belo chute no domingo sobre Nilton Santos, marcando o terceiro gol do Vitória do Vasco sobre o Botafogo por 3 a 2, para o Brasileiro – o primeiro de três duelos entre as equipes, que se reúnem novamente nesta quinta-feira, agora pela Copa do Brasil.

– Vi o jogo em um bar perto de casa, em Cascadura. Comemorei os gols do Botafogo, mas quando meu filho balançou a rede, não houve felicidade igual. Eu sou pai, certo? – disse Jorge.

O pai de Catatau era babá de automóveis no Leblon até recentemente. Com a queda do movimento por conta da pandemia, ele conseguiu um emprego como entregador no comércio local, onde é conhecido e saudado por todos como o pai de um jogador de futebol. Jorge trabalha na região desde 2002 e daí ganha a vida com a família. Por muitos anos, Catatau ia às sextas-feiras ajudar na lavagem de alguns carros e ganhar troco para o fim de semana.

Camisa basca, máscara do Botafogo: pai de Ygor Catatau está dividido entre o trabalho e as paixões
Futebol – Campeonato Brasileiro – Botafogo x Vasco da Gama – Estádio Nilton Santos, Rio de Janeiro, Brasil – 13 de setembro de 2020 Ygor Catatau do Vasco da Gama comemora seu terceiro gol REUTERS / Ricardo Moraes Foto: RICARDO MORAES / REUTERS

– Hoje, graças a Deus, ele está fazendo o que mais ama e merece. Aos 25 eu disse a ele: este é o ano. A carreira no futebol é curta. Espero que você prospere e nunca deixe nada faltar em sua casa, em seu filho e nos outros três cônjuges, que você trata como se fossem seus. Eu não quero nada para mim. Ele está no basco ou mesmo na Europa, enquanto ele lutar pelo meu, eu estarei aqui.

Paixão pelo botafogo

O fato de ser reconhecido como Botafoguense, porém, impediu Jorge de ver um feito de Ygor a poucos metros de onde trabalha. No ano passado, sabendo que o lavador era torcedor do Botafogo, um dos seguranças da sede da Gávea o proibiu de entrar antes do treino do Flamengo contra o Madureira. Na ocasião, o Catatau marcou o primeiro gol que a equipe de Jorge Jesús sofreu.

Jorge Luis veste camisa do Vasco e máscara do Botafogo: torce mais para o time do filho do que para o time do coração. Foto: Fabiano Rocha / Fabiano Rocha
Jorge Luis veste a camisa do Vasco e a máscara do Botafogo: torce mais para o time do filho do que para o time do coração. Foto: Fabiano Rocha / Fabiano Rocha

– Sou Botafoguense desde que me conheci de gente. Agora, se meu filho for parente, renuncio meu amor pelo meu clube para esperar sua felicidade e crescimento. Se você está inscrito para os próximos clássicos da Copa do Brasil, vou te animar e te animar, como um jogador basco. Se você conseguir marcar de novo, a festa é maior.

Após a vitória sobre o Botafogo no domingo, Ygor conversou com a TV Vasco sobre o primeiro gol com a camisa do clube.

– O momento em que vivo agora é inexplicável. Algumas pessoas conhecem minha história, lutei muito para chegar aqui. Hoje, se estou no Vasco, graças a Deus, foi por perseverar e não desistir. Estou muito feliz – comemorou o atacante. – No momento do gol, foi uma grande emoção, só o que me veio à cabeça foi o passado. Trabalhei desde os 12 anos ajudando meu pai na manutenção de carros. Meu pai ainda está lá hoje. Estou muito animado – lembrou o jogador.

O apelido de Catatau vem desde a infância. Sempre ao lado do irmão mais velho, os dois eram fisicamente opostos: enquanto um era alto e gordo, Ygor era magro e pequeno. Aí as pessoas comentaram: ‘Olha lá, Catatau e Zé Colmeia’ e o apelido ficou. Diz que não é quente.

Elias Duba, presidente do Madureira, equipe que Ygor Catatau deu ao Vasco após a final carioca, disse que uma possível extensão do vínculo do jogador depende apenas da cruz maltesa, mas espera que o atacante tenha uma vitória semelhante à de Philippe Coutinho ou o Paulinho, que passou pelo tricolor suburbano, brilhou na cruz de Malta e conquistou o Mundial.

– Ele é um menino humilde. O cara que vale a pena torcer, vale a pena – diz Duba.

Carinho: Jorge da Silva, pai Ygor Catatau, veste a camisa do time autografada pelo filho Foto: Fabiano Rocha / Fabiano Rocha
Carinho: Jorge da Silva, pai Ygor Catatau, veste a camisa do time autografada pelo filho. Foto: Fabiano Rocha / Fabiano Rocha

Segundo Duba, o atacante recebeu cerca de R $ 5 mil em Madureira e, pelo convênio firmado com o Vasco, continua cobrando os mesmos valores. No entanto, existe uma cláusula que determina que a cada cinco jogos disputados, o seu salário dobra. Se voltar a ser utilizado pelo técnico Ramón Menezes, ele completará seu quinto jogo.

Pouco antes de Jorge responder à reportagem do GLOBO, Catatau havia ligado para contar ao pai sobre um presente: a camiseta 9 de Matheus Babi, autor dos dois gols brancos – outro jogador que se destacou nos golpes dos pequenos cariocas, de Macaé, no Carioca, e que fechou contrato em um dos grandes.

Ao se despedirem, Jorge e o filho combinaram em se encontrar em Inhaúma, onde mora o jogador. Após cerca de 15 minutos de conversa, o entregador se despediu do laudo pois precisava voltar ao trabalho logo. Ele montou na bicicleta e andou pelas ruas do Leblon vestindo uma camiseta preta, uma faixa branca em forma de cruz e uma mensagem em caneta borrada pelo tempo que deixaria qualquer um orgulhoso: “Para meu herói. Papai te amo! Ygor Catatau “.

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