A Globo abordou a conclusão do contrato de exclusividade com Marcius Melhem como parte de “uma série de iniciativas para se preparar para os desafios do futuro” e “novas dinâmicas de parceria com atores e criadores em suas múltiplas plataformas”. Em um relatório recente, encontrei para o Folha de S. Paulo, a locutora reafirmou que não vai extinguir seu banco de elenco fixo, mantendo alguns nomes que considera talentos estratégicos.
Na verdade, há novas contratações e um investimento em volume e diversidade de rostos e produções que dão suporte a essas opções. Mas este não é o caso.
O Marcius Melhem do “Os Caras de Pau” era um bom talento, muito bom. Mas, naquelas circunstâncias, era mais do mesmo que já existia na Globo.
Marcius Melhem, por sua vez, participou da criação de “Tá no Ar”, a melhor comédia criada na emissora desde o fim de “TV Pirata” (cuja equipe de editores era quase a mesma de “Casseta & Planeta ”, Programa sufocado pela censura interna ao longo dos anos), esse é um talento que sentirá falta de uma empresa que pretende manter nomes estratégicos sob seu guarda-chuva exclusivo.
De referir que o Tá no Ar teve um tom claramente mais progressivo do que “Fora de Hora”, programa lançado este ano, após seis temporadas de “Tá no Ar”.
“Tá no Ar” foi muito mais inventivo que “Fora de Hora”, cuja criação não justificou o fim de seu antecessor, como escrevi neste blog.
O primeiro era mais ácido, ia ao limite das provocações morais, flertava com sexo e religião. Tinha um vídeo sobre bissexualidade, fazendo rap com Jesus, ajoelhando-se para rir de católicos, umbandistas e evangélicos, zombando das “reações”, parodiando “Mortos vivos” contra as diretrizes conservadoras e ridicularizando a elite paulista no tom de Amaury Júnior .
“Tá no Ar” foi infinitamente mais político do que “Fora de Hora” no sentido de provocar reflexão com um bastão curto, embora as milícias, já sob o governo Bolsonaro, tenham ganhado alguma provocação ali.
Embora tivesse engraçadas paródias políticas pela voz de Marcelo Adnet, “Fora de Hora” era mais Trapalhões do que Monty Python ou SNL. Lá, já tivemos um resfriamento do que nos foi oferecido nos seis anos anteriores.
Deve-se notar como ele baixou o tom da provocação. Ao mesmo tempo, o quadro “Isso a Globo Não Mostra”, semanal do Fantástico, desapareceu após a saída de Melhem, que pediu sua saída (não poderia ter sido uma licença temporária?) De seu posto para acompanhar a delicada cirurgia de sua filha nos Estados Unidos. Estados Unidos, onde esteve até poucos dias atrás.
No momento em que essa ruptura anunciada como uma decisão mutuamente pactuada, e o blog concluiu que sim, há um temor por trás da emissora da agenda progressista que a Globo vem adotando em alguns programas, enfrentando bravamente a fúria bolonarista. Ainda.
Há dois anos, já perdemos “Amor e Sexo”, programa que rompeu com o pudor para falar sobre o ato que nos coloca a todos no mundo. Mas, olha que bom, esse é um tema que pode ser abordado do ponto de vista lúdico, sem fins reprodutivos. Pena que essa abordagem perdeu espaço na Globo.
Silvio de Abreu, diretor de telenovela, muito ocupado com novelas, principal produto da emissora, e ainda mais neste momento pandêmico, já havia acumulado a vaga deixada por Guel Arraes à frente da série, braço essencial para o que a empresa trata como seu futuro, GloboPlay. Agora Abreu também assume a cadeira que Melhem deixou para trás.
Naturalmente, a escolha não é sua, mas a questão é: que dinâmicas são essas que a Globo adota para um futuro onde seriado, novela e humor dominam um único profissional? Por que a autocrítica Isso ao Globo Não Mostra? Espaço desperdiçado? Que futuro pluralista é esse que produz segmentos para convergir decisões em uma cabeça?