Clima já muda no Matopiba, a nova fronteira agrícola do Brasil

  • Compilando dados dos últimos 40 anos, os pesquisadores observaram aumento das temperaturas e secas mais severas na região do Matopiba, que abrange partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
  • Zona de transição entre o Cerrado e a Amazônia oriental, o Matopiba é a maior área de contato entre floresta e savana nos trópicos; nas últimas duas décadas, tornou-se uma das principais frentes de expansão do cultivo de grãos no Brasil.
  • Segundo os pesquisadores, o aumento da frequência de dias quentes e secos na região resulta de uma interação entre as mudanças climáticas globais e a expansão do desmatamento.
  • Num futuro próximo, mudanças ambientais podem prejudicar o próprio agronegócio, colocando em risco a segurança alimentar brasileira.

Na zona de transição entre a Amazônia oriental e o Cerrado, uma interação entre as mudanças climáticas e a expansão agrícola pode estar causando o aumento das temperaturas e a redução das chuvas. Esta é uma das principais conclusões de um estudar realizados por pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

Essa zona de transição, conhecida como Matopiba por abranger partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, é a maior área de contato entre floresta e savana nos trópicos. O Cerrado predomina em 91% da região, enquanto os 9% restantes são formados por manchas de floresta amazônica e vegetação de caatinga. Nos últimos 20 anos, esta área tornou-se uma importante fronteira agrícola para o Brasil.

Segundo o coordenador geral da pesquisa, José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta Prévio de Desastres Naturais (CEMADEN) e primeiro autor do estudo, o objetivo do trabalho foi avaliar se o que ocorre na Amazônia oriental ocorre na região do Matopiba. “E, de fato, vemos que sim. Na região onde está sendo implantada a nova fronteira agrícola, ocorrem mudanças semelhantes às observadas na Amazônia oriental”, afirma.

Imagem aérea de uma fazenda na região do Matopiba. Imagem cortesia de Vinícius Mendonça/IBAMA.

Para o estudo, os pesquisadores usaram diferentes conjuntos de dados, incluindo precipitação, temperatura, evapotranspiração e índices de vegetação para o período 1981-2020. “Observamos que na região do Matopiba, principalmente na porção oeste dos estados do Piauí e da Bahia, há uma tendência crescente de ocorrência de secas mais severas, intensificadas pelo aumento da temperatura na região”, diz a pesquisadora Ana Paula. Cunha, do CEMADEN, que também participou da pesquisa.

A equipe também descobriu que as maiores tendências de aquecimento e seca na América do Sul tropical nas últimas quatro décadas foram observadas justamente nessa região de transição entre a Amazônia e o Cerrado. “A substituição da cobertura vegetal natural por áreas destinadas à agricultura e pecuária, aliada às mudanças climáticas, pode ter contribuído para a intensificação dos eventos de estiagem nessa área, principalmente na área conhecida como Matopiba”, diz Cunha.

Segundo ela, os resultados do trabalho mostram um aumento na frequência de dias sem chuva e diminuição no volume de precipitação, além de um atraso no início do período chuvoso, induzindo a um maior risco de incêndios florestais durante o período transição do período seco para o úmido. “Essas descobertas fornecem evidências do aumento da pressão climática nessa área, que pode colocar em risco a segurança alimentar global, e da necessidade de conciliar a expansão agrícola e a proteção dos biomas tropicais naturais”, diz ele.

Marengo, por sua vez, chama a atenção para o fato de que esses resultados não apontam para o futuro, mas já estão acontecendo. “Descobrimos que a região não é apenas vulnerável ao que pode acontecer no futuro, mas também ao que está acontecendo no presente”, explica.

No mapa anterior, a soma dos indicadores analisados ​​pelo estudo aponta mudanças significativas na região do Matopiba (limites azuis) entre 1981 e 2020; os dados incluem aumentos de temperatura e dias secos e reduções de precipitação e evapotranspiração, entre outros. Imagem cortesia de Marengo et al.

No caminho da savanização

Em seu artigo, os pesquisadores afirmam que a hipótese da “savanização” da Amazônia sugere que esse novo estado de equilíbrio se torna mais provável à medida que o clima se torna mais quente e seco, o desmatamento avança e os incêndios se tornam mais frequentes. Segundo eles, o resultado esperado dessa interação de processos é a contração de florestas densas e úmidas em um bioma semelhante ao Cerrado.

Para a equipe, o cenário econômico atual continua conspirando contra a Amazônia, dando maior importância aos produtos agrícolas básicos como soja, carne e madeira tropical do que às florestas em pé. “O desenvolvimento agrícola da região do Matopiba, na zona de transição, é um exemplo disso”, diz Marengo. “Para priorizar a expansão da agricultura sem desmatamento na região, é fundamental o aumento da produtividade das pastagens, juntamente com incentivos para a expansão direta de lavouras em terras já convertidas.”

Os autores do artigo também concluem que as perigosas tendências climáticas detectadas na zona de transição “podem colocar em risco os processos vegetativos naturais do Cerrado e os consequentes serviços ecossistêmicos, que podem afetar a agricultura da área”.

Cultivo de soja no Cerrado. Imagem de Wenderson Araujo/Trilux.

“O Matopiba surgiu e se consolidou parcialmente como um programa apoiado pelo governo brasileiro para a expansão do agronegócio”, diz Marengo. “Isso representa um afastamento das políticas amazônicas em resposta à forte oposição ao desmatamento na região”, acrescenta.

O estudo prevê, no entanto, que os processos de mudança ambiental impulsionados pelo crescimento socioeconômico na região do Matopiba serão muito afetados pelas mudanças climáticas. O aumento gradual da temperatura anual e o déficit hídrico levarão a uma estação seca mais longa e quente, com alta frequência de dias muito quentes. “Como a produtividade da soja é afetada pelo déficit de chuvas, a tendência à estiagem pode reduzir a produtividade da cultura, colocando em risco a segurança alimentar e a economia brasileira”, alerta Marengo.

Ou seja, para os pesquisadores, as mudanças já observadas no estudo são críticas e podem comprometer a segurança alimentar tanto no Brasil quanto no mundo. “A soja é o principal alimento básico produzido no Cerrado brasileiro”, diz Marengo, “e as consequências das mudanças climáticas e do desmatamento na Amazônia e no Cerrado podem acabar com esse boom do agronegócio”.

Imagem do pôster: Cultivo de milho no Cerrado. Imagem de Wenderson Araujo/Trilux.

Esta história foi relatada pela equipe Mongabay Brasil e publicada pela primeira vez aqui em nosso site do brasil em 21 de junho de 2023.

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