Pelé subiu da pobreza ao estrelato no futebol

Eu era apenas um garoto, apenas 17 anos de idade. No entanto, na final da Copa do Mundo de 1958, Edson Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé, exibiu a postura e a habilidade suprema que marcariam sua carreira. Enquanto o Brasil vencia a Suécia, os donos da casa, por dois gols a um, receberam um passe alto na área. Com um zagueiro por cima do ombro, ele pegou a bola com o peito, deu um passo e chutou outro zagueiro antes de correr para alcançá-lo e um voleio imparável sob a rede.

PRÊMIO
Pelé do Brasil é carregado nos ombros por seus companheiros após o Brasil vencer a final da Copa do Mundo contra a Itália, por 4 a 1, no Estádio Azteca, na Cidade do México (AP)

Embora ele mesmo tenha dito isso, foi um bom gol. Depois de acertar outro, percebendo que estavam prestes a vencer o torneio inteiro, ele desmaiou de emoção em campo. Sentia que havia conseguido tudo, que todos os seus sonhos haviam se tornado realidade, até mesmo um caso com uma sueca loura de olhos azuis que era louca por aquele pretinho Crioulo, como ele gostava de se chamar.

Esta foi apenas a primeira das três Copas do Mundo que ele ganhou, mais do que qualquer outro jogador. Podia ter sido quatro, mas em 1966 os zagueiros búlgaros e portugueses arrasaram, os árbitros falharam em protegê-lo e o Brasil, pensou ele, estava mal preparado de qualquer maneira, então caiu.

Três argentinos, Alfredo Di Stéfano, Diego Maradona e Lionel Messi, todos reivindicavam ser o melhor jogador de futebol do mundo. Mas ele detinha o recorde mundial de gols, 1.279 em 1.363 jogos, e dificilmente seria superado. Mesmo um gol que ele não marcou, contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 1970, ficou famoso porque poucos, inclusive ele, conseguiram entender como Gordon Banks conseguiu salvá-lo. Sempre confiante, ele gritou “Gol!” enquanto lançava sua cabeçada. Apanhado sobre a barra.

Como atacante, ele não era tão alto, mas era forte, rápido e tinha coxas tão grossas quanto a cintura. Ele podia ler o jogo como um livro e controlar a bola como se ela fosse atraída para ele como um ímã. Ele também poderia dizer exatamente onde e quando ele era necessário, e o que a oposição poderia ter em mente para tentar bloqueá-lo. Tudo isso parecia torná-lo um capitão natural, mas ele nunca quis esse papel oficialmente. Ele simplesmente mostrava ao time suas melhores jogadas, encenando-as pelo exemplo, e ficava feliz em fornecer o passe matador para os outros finalizarem.

O drible era sua grande habilidade, confundindo os zagueiros com fintas e paradas e partidas repentinas. Ele podia chutar forte para o gol com qualquer pé e, apesar de sua altura, ou falta dela, era um cabeceador com mola. Ele saltou com tanta facilidade sobre Tarcisio Burgnich, o italiano marcou para ele na final da Copa do Mundo de 1970, que Burgnich duvidou que ele fosse de carne e osso. Então ele marcou o primeiro gol. Ele sabia que era o melhor jogador daquele torneio e, faltando quatro anos para a próxima Copa do Mundo, declarou que não jogaria mais.

Ele se aposentou, ele sentiu, no auge, e antes que o futebol deixasse de ser divertido. Seu gol na Copa do Mundo aos 17 anos não passou de alegria, sem nervosismo, sem responsabilidade, mas seu milésimo gol, em 1969 de pênalti, foi completamente diferente. Suas pernas tremiam, todo o estádio do Maracanã gritava e, de repente, ele foi esmagado pela ideia de que ele, o tricampeão mundial, o jogador de futebol mais famoso, não poderia perder isso. Eu nunca tinha sentido uma pressão assim.

Ele também não imaginava que iria enfrentá-lo. Ele nasceu na pobreza em uma cidade no sudoeste do estado de Minas Gerais; seus bisavós foram escravos. Seu primeiro treinador foi o pai, um jogador de futebol profissional cuja carreira no Vasco da Gama terminou precocemente devido a uma lesão. Sua mãe preferia que ele saísse ileso e ganhasse o dinheiro adequado. Até uma bola era difícil para ele: jogava com qualquer coisa mais ou menos redonda, meias recheadas de papel, mangas ou um monte de trapos. O amor de sua vida criou raízes e nunca o deixou. O apelido “Pelé”, uma provocação de um colega de classe, o incomodou no início (“Edson” era mais sério, para Thomas Edison), mas gostou mais quando soube que significava “milagre” em hebraico. E os milagres se seguiram. Com apenas 15 anos, foi contratado pelo Santos, seu primeiro clube profissional. Foi em grande parte graças a ele que eles se tornaram o melhor time do mundo no início dos anos 1960, conquistando duas Copas Intercontinentais.

Vários grandes clubes europeus imploraram para que ele se juntasse a eles: Real Madrid, AC Milan, Bayern de Munique. Mas Santos e o governo brasileiro rejeitaram a transferência. Além disso, a vida era tão boa no Santos que ele não queria mudar e continuou jogando pelo clube muito depois de deixar o jogo internacional. Ele jogou antes que o futebol fosse um negócio global: metade de sua carreira foi em preto e branco. No jogo de hoje eu seria um bilionário. Como era, ele tinha um olho para o dinheiro em negócios fora do campo. Aos 34 anos, ele saiu da aposentadoria para ajudar a lançar o “futebol” nos Estados Unidos e ingressou no New York Cosmos porque, segundo ele, Henry Kissinger o convenceu a fazer isso. Em 1977, quando terminou seu mandato, eles o chamavam de “O Rei”, “O Rei”, o mesmo nome que o dramaturgo Nelson Rodrigues, uma figura proeminente no Brasil, havia lhe dado anos antes, quando o viu jogar pela primeira vez. . Santos.

Santos sempre esteve perto de seu coração; assim como o Vasco, onde seu pai o levava quando menino para assistir aos treinos. Em 1994, chegou a aceitar o cargo de ministro do Esporte no governo democrático de Fernando Henrique Cardoso. Ele pressionou por uma lei para limpar o futebol brasileiro de clubes, mas foi neutralizada no Congresso, onde um poderoso lobby defendeu o estado de coisas corruptas como era. As atividades daquele bando de canalhas e a pobreza que via em seu rico país muitas vezes o faziam chorar.

Sua vida fora das quadras foi complicada, com três casamentos e pelo menos sete filhos, um dos quais – uma filha nascida de um caso com uma faxineira – ele se recusou a reconhecer por muito tempo. Deixando as mulheres de lado, no entanto, ele manteve sua vida simples. Ele esperava passar por um sujeito comum nos aeroportos e nunca usou o passaporte diplomático vermelho que lhe foi dado pelo presidente Lula. Sua forma de relaxar era pescar ou jogar pião com o pião que sempre carregava, girando-o na palma da mão o máximo que conseguia. Ele nunca foi um ativista; apenas por ser ele mesmo, ele personificava a dignidade negra. E ele se deliciava com o belo jogo que jogava. Seu único arrependimento era nunca ter marcado na Copa do Mundo com um chute de bicicleta.

Nota do Editor: Este obituário é uma versão expandida de nosso história original.

© 2023, The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Do The Economist, publicado sob licença. O conteúdo original pode ser encontrado em www.economist.com

You May Also Like

About the Author: Ivete Machado

"Introvertido. Leitor. Pensador. Entusiasta do álcool. Nerd de cerveja que gosta de hipster. Organizador."

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *