O Cerrado do Brasil, o segundo maior bioma depois da Amazônia, pode perder quase 34% de sua água até 2050

São Paulo, Brasil – O Cerrado, uma vasta savana tropical no Brasil e o segundo maior bioma do país depois da floresta amazônica, pode perder 33,9% de seus rios até 2050, se a taxa de exploração agrícola for mantida nos níveis atuais. Esse volume de água corresponde à vazão de oito rios Nilo no Egito.

O Cerrado ocupa 22% do território brasileiro, na região centro-leste, incluindo a capital Brasília. O alerta foi feito pelo Instituto Cerrados, ONG que atua na defesa do meio ambiente. Eles analisaram 81 bacias hidrográficas da região, entre 1985 e 2022, e descobriram que houve uma queda de 88% na vazão devido ao crescimento da agricultura.

O estudo indica que as culturas de soja, milho e algodão, além da pecuária, têm influenciado o ciclo das águas do Cerrado. Além disso, segundo o estudo, as mudanças no uso da terra em decorrência do desmatamento provocaram redução da vazão de água em 56% dos casos. Os outros 44% estão associados às mudanças climáticas.

“O desmatamento para a agricultura de grande escala, que exige irrigação intensa, altera o ciclo hidrológico de forma a reduzir a vazão dos rios”, disse o fundador e diretor do Instituto Cerrados, Yuri Botelho Salmona.

De acordo com Agência Nacional de Águas (ANA), órgão do governo federal, 68% dos recursos hídricos do Brasil são consumidos pela agricultura. Além da pecuária, 80% da água vai para o agronegócio.

De acordo com ONG Mapbiomas, que monitora o uso da terra no Brasil, 97% do desmatamento no Cerrado é causado justamente pelo agronegócio. “Nossa análise indica que estamos abraçando um futuro de incertezas quanto à disponibilidade de água no Cerrado”, disse Salmona.

Quanto às consequências climáticas, Salmona disse que o estudo identificou um aumento da radiação solar no Cerrado, o que significa que a região está esquentando, impactando o fluxo de água. Outro fator apontado pela pesquisa é a diminuição dos períodos chuvosos.

“Estamos tendo chuvas mais concentradas, em períodos mais curtos, e os períodos de seca são mais longos. O mesmo volume de água que caiu em quatro, cinco meses está caindo em dois, três. Como resultado, há menos capacidade de filtrar a água no solo profundo para disponibilizá-la em um período seco”, disse ele.

O Cerrado ocupa 22% do território brasileiro. Imagem cortesia da Agência Brasil

O estudo concluiu que, se os índices de desmatamento não forem reduzidos drasticamente, a escassez de água será uma realidade mais comum em menos de 30 anos, o que afetará a própria agricultura, a produção de energia elétrica, a biodiversidade e o abastecimento de água da população, principalmente durante a seca temporada. estações, no inverno.

A pesquisadora Isabel Figueiredo disse que as consequências da perda de vazão do rio podem impactar as usinas hidrelétricas, principal fonte de energia elétrica do país. “O impacto pode transformar muitos rios perenes em rios intermitentes, o que pode afetar nossa segurança energética, já que os rios do Cerrado são importantes para a geração de energia elétrica em cinco grandes hidrelétricas, incluindo Itaipu”, disse.

Conhecido como o “berço das águas”, o Cerrado abriga nascentes de oito das 12 mais importantes bacias hidrográficas do Brasil. O segundo maior reservatório natural de água subterrânea do mundo, formado pelos aquíferos Guarani e Urucuia, está localizado no Cerrado.

O rio São Francisco, que abastece a região nordeste do Brasil, tem 70% de suas águas do Cerrado, e o rio Paraná, que abastece a hidrelétrica de Itaipu, tem 47% de suas águas do Cerrado.

grito das águas

O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), ONG que apoiou o estudo sobre as águas do Cerrado, destacado a necessidade de implementação de políticas públicas específicas para o Cerrado, que garantam a conservação do meio ambiente e a proteção das comunidades tradicionais e agricultores familiares, os mais afetados pela escassez de água.

A falta de água nas terras ocupadas por essas famílias dificulta a produção de alimentos e intensifica o processo de êxodo rural e o aumento da pobreza e da fome. O assessor de políticas públicas do instituto, Guilherme Eidt, disse que o Cerrado está em risco e precisa de atenção tanto quanto a Amazônia.

O Cerrado pode perder 33,9% da vazão de seus rios até 2050. Imagem cedida ISPN/Andre Dib

“A sobrevivência do Cerrado é fundamental para garantir a segurança alimentar, a segurança hídrica, a segurança energética, a segurança climática global e a manutenção da sociobiodiversidade. As comunidades tradicionais e os agricultores familiares são essenciais para a conservação do meio ambiente e para o equilíbrio climático”, afirmou.

Além disso, especialistas em proteção ambiental e ONGs também prepararam uma carta às autoridades brasileiras e à Organização das Nações Unidas (ONU) alertando sobre a situação dos rios do Cerrado. Na carta, eles destacam a importância desses rios, onde estão localizadas as maiores bacias hidrográficas da América do Sul, como as bacias do Amazonas e do Prata.

“Bacias que, em todo o território nacional, fornecem água, atividades agrícolas e industriais e geração de energia elétrica, impactando a economia nacional e a vida de milhões de brasileiros”, diz a carta.

Para encontrar soluções para os problemas do Cerrado, foi proposta a criação de um grupo de trabalho Anunciado articular estratégias, alianças, diálogos, inclusive em nível internacional, e a promoção de ações efetivas de proteção das águas da região.

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