No dia 30 de março, o governo Lula apresentou oficialmente sua proposta de novo arcabouço de política fiscal para o Brasil.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, apresentaram o marco à imprensa após várias rodadas de negociação dentro do governo e com líderes do Congresso, em especial, o presidente da Câmara e o presidente da O senado.
Principais conclusões:
- O novo arcabouço busca um equilíbrio entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social, combinando medidas de ajuste fiscal com preservação orçamentária para as principais políticas sociais, em particular, transferência condicionada de renda aos pobres, salário mínimo, saúde e isenção de imposto de renda para trabalhadores e a classe média
- A ‘âncora fiscal’ do novo arcabouço se baseia em uma meta de superávit primário anual (excluindo pagamentos de juros da dívida), de -0,5% do PIB em 2023 para 1,0% do PIB em 2026, crescendo em incrementos de 0,5 pp ao ano.
- A meta de superávit primário anual será perseguida dentro de um intervalo de tolerância entre +0,25% e -0,25% do PIB da meta daquele ano (por exemplo, se a meta para o ano for 0,5%, o intervalo será de 0,25% a 0,75 %). Esse mecanismo de intervalo de tolerância reflete o mecanismo de metas de inflação existente usado pelo Banco Central.
- Além da meta, o crescimento dos gastos estará atrelado ao aumento da receita em 70% (por exemplo, se a receita aumenta R$ 10 bilhões, os gastos só podem aumentar até R$ 7 bilhões). Se a meta anual de superávit primário do orçamento não for alcançada, a taxa de crescimento dos gastos é reduzida para 50% para desacelerar os gastos adicionais.
- Existe um mecanismo anticíclico embutido na estrutura: uma faixa de tolerância para aumentos de receita entre 2,5% (um teto de gastos) e 0,6% (um piso de gastos). Por exemplo, se em um boom econômico a renda aumenta 5%, como regra geral, os gastos podem crescer 3,5% (ou 70% de 5%). No entanto, o teto de 2,5% para o crescimento dos gastos será aplicado como forma de conter gastos excessivos. Por outro lado, se em uma crise econômica a renda cai -5%, os gastos ainda podem crescer 0,6% como forma de o governo seguir uma política anticíclica. Excluem-se desse mecanismo os gastos com educação e saúde previstos na Constituição.
- O novo arcabouço da política fiscal será apresentado ao Congresso Nacional por meio de Projeto de Lei Complementar. Projetos de lei suplementares são projetos de lei que detalham dispositivos constitucionais e exigem maioria absoluta de votos (50% do total de votos possíveis + 1) na Câmara e no Senado.
- O governo Lula tem estimados 282 votos em 513 na Câmara e 46 votos em 81 no Senado, o que, em tese, garante a aprovação do novo marco fiscal.
- Assim que a nova estrutura fiscal for aprovada, a atual estrutura de teto de gastos deixará de existir.
Comentários:
- O novo quadro parece ser razoável. Possui objetivos claros e regras transparentes, além de mecanismos flexíveis para sobreviver às mudanças no ciclo econômico.
- Para que a estrutura funcione corretamente, a receita deve aumentar. Há um receio justificável no setor privado de que o governo aumente os impostos para atingir esse resultado, embora o ministro da Fazenda venha afirmando publicamente que não há planos nesse sentido e que o aumento da arrecadação virá tanto do crescimento econômico quanto bem como um foco na aplicação da conformidade fiscal.
- A expectativa do governo Lula é que a mera apresentação da estrutura crie uma oportunidade para o Banco Central começar a reduzir a taxa básica de juros (SELIC). Se a taxa não for reduzida, a dívida total do governo continuará a crescer até 2026. No entanto, com uma redução substancial da taxa, a dívida total do governo provavelmente atingirá o pico em 2024 e depois diminuirá gradualmente.
- O fato de o arcabouço combinar ajuste fiscal com preservação orçamentária para políticas sociais aumenta suas chances de aprovação no Congresso.
- A aprovação do marco faz parte de uma estratégia econômica mais ampla que inclui (i) uma série de medidas de aumento de renda adotadas em janeiro (algumas delas pendentes de aprovação no Congresso), (ii) a retomada de políticas sociais voltadas para os pobres , trabalhadores e classe média, e (ii) uma futura reforma tributária focada na tributação do consumo para simplificar o sistema tributário corporativo.
- Para melhorar ainda mais o quadro da política fiscal, o governo Lula teria que propor e aprovar uma reforma administrativa substancial para reduzir o custo dos recursos humanos do governo ou mudar e reduzir os gastos previstos na Constituição, inclusive em educação e assistência médica. Ambas são medidas altamente impopulares que o governo parece relutante em propor e provavelmente enfrentariam forte oposição no Congresso. Além disso, não está claro se o governo Lula atualmente tem votos suficientes para emendar a Constituição.
- Os mercados reagiram favoravelmente logo após o anúncio, embora alguns economistas critiquem o fato de o arcabouço não incluir uma meta clara de redução da dívida pública total como proporção do PIB.