Por FABIANO MAISONNAVE e DIANE JEANTET
RIO DE JANEIRO (AP) – Sacudindo um tradicional chocalho, a nova chefe de Assuntos Indígenas do Brasil percorreu recentemente todos os cantos da sede da agência, incluindo seu café, enquanto invocava a ajuda dos ancestrais durante um ritual de limpeza.
O ritual teve um significado adicional para Joenia Wapichana, a primeira mulher indígena do Brasil a comandar o órgão encarregado de proteger a floresta amazônica e seu povo. Assim que for empossado no próximo mês sob o recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Wapichana promete limpar a casa de uma agência que os críticos dizem ter permitido a exploração dos recursos da Amazônia às custas do meio ambiente.
Enquanto os Wapichana realizavam o ritual, os indígenas e funcionários do governo entoavam entusiasticamente “Yoohoo! A Funai é nossa! – uma referência à agência que irá chefiar.
Ambientalistas, indígenas e eleitores simpatizantes de suas causas foram importantes para a vitória apertada de Lula sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro. Agora Lula está tentando cumprir as promessas de campanha que fez a eles em uma ampla gama de questões, desde a expansão dos territórios indígenas até a interrupção do aumento do desmatamento ilegal.
Para cumprir esses objetivos, Lula está nomeando ambientalistas e indígenas conhecidos para cargos-chave na Funai e em outros órgãos que Bolsonaro preencheu com aliados do agronegócio e militares.
Nos dois mandatos anteriores de Lula como presidente, ele teve um histórico misto em questões ambientais e indígenas. E ele certamente enfrentará obstáculos de governadores pró-Bolsonaro que ainda controlam trechos da Amazônia. Mas especialistas dizem que Lula está dando os primeiros passos certos.
Os servidores federais que Lula já indicou para cargos-chave “têm prestígio nacional e internacional para reverter toda a destruição ambiental que sofremos nesses quatro anos de governo Bolsonaro”, disse George Porto Ferreira, analista do Ibama, órgão ambiental do Brasil. órgão de aplicação da lei. . -agência de aplicação.
Enquanto isso, os apoiadores de Bolsonaro temem que a promessa de Lula de proteções ambientais mais rígidas prejudique a economia, reduzindo a quantidade de terra aberta para desenvolvimento e punindo as pessoas por atividades que antes eram permitidas. Alguns apoiadores ligados ao agronegócio foram acusados de fornecer assistência financeira e logística aos manifestantes que invadiram o palácio presidencial do Brasil, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal no início deste mês.
Quando Bolsonaro era presidente, ele derrubou a Funai e outros órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental. Isso permitiu que o desmatamento subisse para seu nível mais alto desde 2006, já que incorporadores e mineradores que tomaram terras de povos indígenas enfrentaram poucas consequências.
Entre 2019 e 2022, o número de multas aplicadas por atividades ilegais na Amazônia caiu 38% em relação aos quatro anos anteriores, segundo análise de dados do governo brasileiro pelo Observatório do Clima, rede de grupos ambientalistas sem fins lucrativos.
Um dos sinais mais fortes até agora das intenções de Lula de reverter essas tendências foi sua decisão de devolver Marina Silva à chefia do Ministério do Meio Ambiente do país. Silva ocupou o cargo anteriormente entre 2003 e 2008, período em que o desmatamento caiu 53%. Silva, uma ex-seringueira do estado do Acre, renunciou depois de entrar em conflito com líderes do governo e do agronegócio sobre políticas ambientais que ela considerava muito brandas.
Silva contrasta fortemente com o primeiro ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, que nunca havia pisado na Amazônia quando assumiu o cargo em 2019 e renunciou dois anos depois, após acusações de ter facilitado a exportação de madeira extraída ilegalmente.
Outras medidas que Lula tomou em apoio à Amazônia e seu povo incluem:
— Assinar um decreto que rejuvenesceria o mais importante esforço internacional para preservar a floresta tropical: o Fundo Amazônia. O fundo, que Bolsonaro havia eviscerado, recebeu mais de US$ 1,2 bilhão, principalmente da Noruega, para ajudar a pagar pelo desenvolvimento sustentável na Amazônia.
— Revogar decreto de Bolsonaro que permitia a mineração em áreas indígenas e de proteção ambiental.
— Criar um Ministério dos Povos Indígenas, que vai cuidar de tudo, desde os limites territoriais até a educação. Essa pasta será comandada por Sônia Guajajara, a primeira mulher indígena do país a ocupar um cargo tão alto no governo.
“Não será fácil ultrapassar os 504 anos em apenas quatro anos. Mas estamos dispostos a usar este momento para promover a recuperação da força espiritual do Brasil”, disse Guajajara durante a cerimônia de posse, que foi adiada devido aos danos causados ao palácio presidencial por manifestantes pró-Bolsonaro.
A floresta amazônica, que cobre uma área com o dobro do tamanho da Índia, age como um amortecedor contra as mudanças climáticas, absorvendo grandes quantidades de dióxido de carbono. Mas Bolsonaro via a gestão da Amazônia como um assunto interno, prejudicando a reputação global do Brasil. Lula está tentando desfazer esse estrago.
Durante a cúpula do clima da ONU no Egito em novembro, Lula prometeu acabar com todo o desmatamento até 2030 e anunciou a intenção de seu país de sediar a conferência do clima COP30 em 2025. O Brasil estava programado para sediar o evento em 2019, mas Bolsonaro cancelou em 2018. depois ele foi eleito.
Embora Lula tenha metas ambientais ambiciosas, a luta para proteger a Amazônia enfrenta obstáculos complexos. Por exemplo, conseguir a cooperação de autoridades locais não será fácil.
Seis dos nove estados amazônicos são liderados por aliados de Bolsonaro. Entre eles estão Rondônia, onde colonos descendentes de europeus controlam o poder local e desmantelaram a legislação ambiental por meio da assembléia estadual; e Acre, onde a falta de oportunidades econômicas está levando os seringueiros que há muito lutavam para preservar a floresta tropical a se voltarem para a criação de gado.
A Amazônia também é atormentada há décadas pela mineração ilegal de ouro, que emprega dezenas de milhares de pessoas no Brasil e em outros países, incluindo Peru e Venezuela. A mineração ilegal causa a contaminação por mercúrio dos rios dos quais os povos indígenas dependem para pescar e beber.
“Sua principal causa é a ausência do Estado”, diz Gustavo Geiser, perito da Polícia Federal que trabalha na Amazônia há mais de 15 anos.
Uma área em que Lula tem mais controle é na designação de territórios indígenas, que são as regiões mais bem preservadas da Amazônia.
Lula está sob pressão para criar 13 novos territórios indígenas, um processo parado no governo de Bolsonaro, que cumpriu sua promessa de não dar aos povos indígenas “um centímetro a mais” de terra.
Um passo importante será expandir o tamanho de Uneiuxi, parte de uma das regiões mais remotas e culturalmente diversas do mundo, que abriga 23 aldeias. O processo de expansão dos limites de Uneiuxi começou há quatro décadas, faltando apenas a assinatura presidencial, que aumentará seu tamanho em 37%, para 551.000 hectares (2.100 milhas quadradas).
“Lula já indicou que não teria problema em fazer isso”, disse Kleber Karipuna, um assessor próximo de Guajajara.
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