A proposta de forçar solicitações de mensagens para registrar todos os que enviaram mensagens, na tentativa de conter informações erradas, é a mais recente controvérsia do projeto conhecido como “Fake News Act”, a ser votado na quinta-feira. (25)
Chamado de “cadeia de referências” pelo relator do PL, senador Angelo Coronel (PSD-BA), que acredita que os registros podem ser utilizados na investigação de crimes cometidos nas redes sociais, o WhatsApp considera a medida uma ameaça para Privacidade.
“É como colocar uma pulseira eletrônica no tornozelo para todos os brasileiros, no caso de alguém cometer um crime, e é possível saber onde ele estava na época, onde e com quem”, diz Pablo Bello, diretor de políticas públicas do WhatsApp para a América Latina. , em entrevista exclusiva com Inclinação.
O substituto do senador pelo PL 2630/20 exige que as mídias sociais e os aplicativos de mensagens solicitem o número do celular ao criar a conta. O texto obrigará as operadoras a registrar novamente as linhas telefônicas pré-pagas para obter RG e CPF válidos.
Dessa forma, quando alguém comete um crime, a polícia pode obter no tribunal que o Facebook e o Twitter denunciam o número de celular do suspeito e que alguns telefones dizem o CPF ou RG. Isso ajudaria a alcançar a verdadeira identidade da pessoa que agiu ilegalmente usando essas plataformas.
Para o diretor do WhatsApp, a medida é um “presente para regimes autoritários”, que pode ter consequências globais e não leva em consideração a expectativa de privacidade que os usuários colocam no WhatsApp.
Veja abaixo as principais partes da entrevista:
Inclinação: qual é a opinião do WhatsApp sobre o substituto?
Pablo Bello – O WhatsApp está fazendo um esforço sistemático para permanecer um espaço de bate-papo privado. A proteção da privacidade está em nosso DNA. Essa é a preocupação que o WhatsApp tem com essa conta, que traz rastreabilidade. É uma questão complexa e nenhum país do mundo adotou esse sistema de mensagens privadas.
É algo que pode mudar radicalmente o funcionamento do WhatsApp. Isso significaria gerar um registro não apenas de quando Helton usou a plataforma nos últimos meses, mas também de quem ele falou, de quem recebeu uma mensagem, de quem enviou e de quem enviou. Isso implicaria a criação de um sistema de informações extraordinariamente massivo, que viola o princípio da privacidade, subjacente a uma plataforma de mensagens privadas, como o WhatsApp.
Fazendo uma analogia, é como se eles colocassem uma tornozeleira eletrônica em todos os brasileiros, de forma que, quando saíssemos, pudéssemos saber a qualquer momento com quem eles estavam, em que casa. Tudo no caso de essa pessoa cometer um crime e é possível saber onde ele estava naquele dia e hora, onde e com quem. É isso que a rastreabilidade faz: cria o princípio de criminalizar todos os usuários, todos somos classificados como suspeitos, mesmo que algo tão inseguro quanto compartilhar uma mensagem.
É por isso que a sociedade civil e organizações de direitos humanos no Brasil e no mundo expressaram sua preocupação com a incorporação desse tipo de solução massiva. Seria uma lei brasileira que viola os princípios de privacidade.
Inclinação: o que faz parte desse esforço sistemático do WhatsApp?
Pablo Bello – Desde 2018, o WhatsApp tenta se preparar melhor para as eleições. Portanto, ele tomou uma série de ações para reduzir a viralidade e manter o caráter da comunicação privada. Reduzimos o número de encaminhamentos, primeiro de 20 para 5 e depois para apenas um para mensagens altamente encaminhadas.
Também fizemos alterações para oferecer aos usuários mais controle sobre quem pode e quem não pode adicionar a um grupo. Terceiro, há uma ação contra empresas que enviam mensagens automatizadas em massa que geralmente são desinformadas. O WhatsApp suspende mais de 2 milhões de contas em todo o mundo a cada mês. No último processo eleitoral no Brasil, foram mais de 400 mil. Ainda existem ações judiciais. Somente no Brasil existem dois processos contra empresas que violam os termos de serviço do WhatsApp e que se ofereceram para comercializar esse tipo de serviço.
Inclinação: por que o WhatsApp não indica que a mensagem contém conteúdo falso?
Pablo Bello – O conceito de comunicação privada é crucial para o WhatsApp. A comunicação no aplicativo é fundamentalmente entre duas pessoas: 90% das conversas são assim. Quando pensamos em grupos, há em média menos de 10 pessoas. No Brasil, existem 7. E menos de 5% de todas as mensagens são encaminhadas. E como eles são protegidos por criptografia de ponta a ponta, apenas o remetente e o destinatário podem ver o conteúdo. Portanto, nem o WhatsApp nem o Facebook nem ninguém mais podem ver o que ele contém. Não há moderação de conteúdo, pois existem em plataformas abertas, como Facebook, Twitter. Lá, eles podem ter algoritmos, colocar rótulos, classificar informações como falsas ou perigosas …
Inclinação: do ponto de vista da engenharia, seria muito difícil para o WhatsApp adotar rastreabilidade?
Pablo Bello – Isso é complexo por várias razões. Primeiro, por causa do volume. A implementação de um sistema de rastreabilidade significaria colocar um rótulo em cada uma das mensagens que cada usuário envia e indicar quem envia, para onde envia e para quem vai. Teríamos que modificar o produto para incorporar esse rótulo. Como existem bilhões de mensagens por dia, precisaríamos de uma imensa capacidade de armazenamento que deveria estar muito bem protegida, porque são informações extremamente confidenciais.
Ainda existem aspectos impossíveis de lidar, que têm a ver com a fronteira. Nós mantemos [mensagens] somente de brasileiros? As pessoas que estão no Brasil? Daqueles que estão em um IP brasileiro? Qual é o critério? Tecnologicamente, isso impõe uma grande mudança no produto. Ele muda não apenas do ponto de vista da engenharia, mas também das expectativas dos usuários.
Se você sabe que sua privacidade está protegida, que ninguém está lendo suas mensagens, você age de alguma maneira. Se você souber que mais tarde saberá com quem falou, certamente não se comportará livremente. Privacidade por design é a garantia de liberdade.
Inclinação: o WhatsApp foi bloqueado no passado porque o Facebook se recusou a compartilhar mensagens que ajudam em investigações criminais. A discussão sobre o requisito de rastreabilidade não ocorre precisamente para solucionar problemas nos quais o aplicativo não fornece as informações exigidas pelos tribunais?
Pablo Bello – Aqui estão dois elementos importantes para investigações policiais. Um são os metadados e o outro é o conteúdo das conversas. Anos atrás, um juiz queria acessar as conversas, algo ao qual o WhatsApp não tem acesso devido à criptografia de ponta a ponta. Esta é uma discussão que tem a ver com o valor da criptografia, e esta é uma questão, bem como os blocos, que estão sendo discutidos pelo Supremo Tribunal aqui no Brasil.
Os metadados, por outro lado, não são o conteúdo, mas os dados contextuais que cercam as informações. É, por exemplo, quem envia a mensagem e para quem ela vai. São informações que, se houver uma ordem judicial, poderiam ser produzidas para apoiar o esclarecimento de um crime. Apenas um pedido da polícia solicitando acesso aos metadados e o WhatsApp está em conformidade. Esta entrega de registros de ordens judiciais foi bem-sucedida na solução de crimes. O WhatsApp colabora com a Justiça.
O que não podemos fazer é entregar o conteúdo das conversas e criar um banco de dados histórico com todas as referências feitas por todos os usuários no Brasil ou no mundo, simplesmente pela possibilidade de alguém perguntar em algum momento. Isso é para mudar completamente a lógica de um processo de investigação. Você está criminalizando toda a base de usuários. Isso afeta a sensação de ser uma plataforma para conversas particulares.
Inclinação: o senador Angelo Coronel disse que, se o WhatsApp mudar a plataforma para incorporar pagamentos, não seria um problema mudar também para registrar as referências.
Pablo Bello – Essas são coisas completamente diferentes. O WhatsApp começou a desenvolver um novo serviço de pagamento e está em processo de implementação no Brasil. É algo adicional, que não viola nenhum princípio encontrado no DNA do WhatsApp. Não há violação da privacidade, por exemplo.
Não é impossível fazer alterações para adotar a rastreabilidade. Consideramos que a solução é ruim e inadequada para os brasileiros e o mundo. Nós nos opomos, não porque não possa ser feito tecnologicamente, mas porque é uma solução que quebra o princípio da privacidade do usuário. É um presente para regimes autoritários, afeta jornalistas, ativistas de direitos humanos e coloca pessoas inocentes em risco. É ruim mesmo para a liberdade de expressão.