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O histórico abismal do presidente Jair Bolsonaro em questões ambientais é de longa data, com suas políticas fundamentais para reverter as proteções ambientais outrora rigorosas do país e enfraquecer suas agências ambientais.
Sob Bolsonaro, a destruição da maior floresta tropical do mundo se aprofundou, e a porção da floresta amazônica brasileira afetada pelo desmatamento nos primeiros três meses deste ano é a mais alta já registrada, medindo uma área quase do tamanho de Dallas, Texas, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil.
Enquanto isso, mais de 700 servidores públicos que atuam no setor ambiental foram demitidos ou demitidos de seus cargos desde 2018, segundo dados do Ministério da Economia. No ano passado, o desmatamento na Amazônia brasileira atingiu um recorde de 15 anos.
Mas na semana passada, o líder de extrema-direita pareceu dar meia-volta ao assinar um decreto ambiental que estabelece multas mais altas para desmatamento, extração ilegal de madeira, queimadas, pesca e caça.
Também introduz multas mais altas para reincidentes e altera as regras para audiências de “reconciliação” entre infratores e órgãos ambientais, estabelecendo um limite de tempo para a participação do infrator no processo antes de ir a uma audiência judicial.
O governo saudou a iniciativa em comunicado, chamando-a de “um passo importante na legislação ambiental”, que é “essencial para garantir que o Brasil continue cumprindo seus compromissos, internamente e no exterior”.
A medida parece ser a primeira ação concreta que apoia a promessa de Bolsonaro da COP das Nações Unidas em 26 de novembro de impor proteções ambientais no Brasil e acabar com o desmatamento até 2028.
Mas alguns especialistas veem a medida com ceticismo, observando que essas mudanças principalmente processuais podem ser apenas mais uma maneira de Bolsonaro se gabar à comunidade internacional de que está tomando medidas positivas, antes de sua campanha de reeleição antes das eleições presidenciais em outubro. 2022.
Raoni Rajao, professor de estudos sociais da Universidade Federal de Minas Gerais, disse à CNN que acredita que o governo está trabalhando para renovar sua marca como ecologicamente correta, apesar de seu histórico.
“Embora até os conservadores reconheçam que a questão ambiental é importante, o governo consegue convencê-los (eleitores conservadores) de que o Brasil está fazendo um ótimo trabalho na área”, disse Rajao.
Aqueles que criticam as políticas de Bolsonaro, disse ele, são considerados “antipatrióticos” aos olhos do governo, que diz que “a crítica internacional está (tentando) impedir o desenvolvimento do país”.
O Ministério do Meio Ambiente do Brasil disse à CNN que o decreto é “uma melhoria normativa no combate às atividades ambientais ilícitas”. Ele enfatizou que o decreto aumenta significativamente as multas e defendeu que as audiências de conciliação ambiental ajudam a garantir “mais eficiência” em sua cobrança.
Desde 2019, Bolsonaro defende a prática de audiências de conciliação para agilizar o processo de multas. Antes do novo decreto, o órgão ambiental teria que esperar para saber do infrator se ele queria uma audiência para decidir se leva o caso à Justiça ou simplesmente concorda em pagar a multa. Esse processo pode levar meses, ou até mais, e gerou uma enorme lista de pendências. Agora, os infratores têm um prazo de até 20 dias para decidir, caso contrário, o processo judicial será realizado sem a audiência de conciliação.
Mas os defensores do meio ambiente dizem que a opção de reconciliação não deveria existir. Especialistas acreditam que ele foi criado pelo governo Bolsonaro para dar voz aos criminosos e desacelerar o processo judicial.
Raúl Valle, diretor do programa de Justiça Social e Ambiental do WWF-Brasil, disse em nota que as audiências atingiram o objetivo oposto ao proposto e, em vez disso, praticamente paralisaram o processo. Ele apontou para o enorme acúmulo de casos que o processo de reconciliação criou.
“Isso só aumenta a sensação de impunidade na Amazônia, que, por sua vez, é um incentivo para quem desmata”, disse.
De outubro de 2019 a maio de 2021, quase todas (98%) das 1.154 autuações de infrações ambientais emitidas na Amazônia pelos órgãos ambientais brasileiros ainda não foram resolvidas, segundo relatório da Climate Policy Initiative e WWF. , que cita dados de o governo federal.
Enquanto isso, um documento interno do Ibama, agência ambiental do governo, obtido por jornalistas de dados da agência independente de dados públicos Fiquem Sabendo, mostra que há mais de 37.000 multas por infrações ambientais não pagas até 2024, com 5.000 delas a vencer. No final deste ano.
“Com o passar do tempo, os infratores percebem que o risco de punição é baixo e, por isso, vale a pena continuar usando os recursos ambientais sem autorização”, diz o documento do Ibama.
E, de fato, menos multas estão sendo emitidas no geral, disse Anne Aimes, diretora científica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
De 2018, ano da eleição de Bolsonaro, para 2021, o número de multas emitidas pelo órgão ambiental brasileiro Ibama caiu 40%, de 4.253 para 2.534.
“Talvez eles estejam tentando mostrar algo no exterior, mas o que vemos no terreno é o contrário”, disse Aimes sobre o decreto. Bolsonaro deve se encontrar com o presidente dos EUA, Joe Biden, na Cúpula das Américas deste mês em Los Angeles para suas primeiras conversas formais.
Ele acrescentou que o governo deve seguir um caminho diferente se quiser levar a sério os crimes ambientais, chamando o decreto de “fachada”.
“Não basta colocar um limite de tempo no mecanismo de (re)conciliação ou multas mais altas”, disse ele.
Em vez disso, são necessários “um aumento das operações de comando e controle no terreno, o fortalecimento dos órgãos ambientais e o apoio dos agentes estatais”.
Embora as agências ambientais continuem com falta de pessoal, houve alguns desenvolvimentos positivos no setor desde junho passado, sob a liderança do recém-nomeado ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, com as agências ambientais recuperando lentamente sua independência.
Mas Bolsonaro parece estar trabalhando contra tais iniciativas, pelo menos em sua retórica entre seus apoiadores.
Há apenas alguns meses, falando em um evento do agronegócio em janeiro, Bolsonaro criticou as multas ambientais, elogiando até sua redução.
“Deixamos de ter grandes problemas com a questão ambiental, principalmente com a(s) multa(s). Tem que existir? Sim. Mas conversamos e reduzimos as multas em campo em mais de 80%”, disse.