No Dia dos Namorados, cientistas do Brasil produziram um presente especial: as primeiras doses da vacina Covid-19 produzidas inteiramente no país. Esses insumos farmacêuticos ativos usados do Brasil, foram baseados em um acordo de transferência de tecnologia com a AstraZeneca, e foram produzidos em uma nova planta de produção de vacinas administrada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos, ou Bio-Manguinhos).
O novo laboratório espera produzir 120 milhões de doses de covid-19 até meados de 2022. Isso permitiria uma dose para mais da metade da população do Brasil. O Brasil já tem altas taxas de vacinação contra a Covid-19 (com vacinação praticamente universal em São Paulo), mas a cobertura vacinal de reforço é baixa.
De modo geral, o Brasil tornou-se líder regional na produção de vacinas. Bio-Manguinhos também é um dos dois institutos da América Latina produzir vacinas de mRNA sob um acordo de transferência de tecnologia com a Organização Mundial da Saúde e parceiros.
Muitas mãos contribuíram para o estabelecimento do novo laboratório que produz a vacina Oxford/AstraZeneca. Uma parceria público-privada, Unidos Contra a Covid, arrecadou 106 milhões de reais (US$ 19 milhões) para sua criação. A instalação é agora totalmente financiada publicamente.
Um desses parceiros foi Fundação Lemann, uma instituição de caridade focada na educação. Pode ser uma surpresa que uma fundação dedicada a oportunidades educacionais volte sua atenção para vacinas, mas o novo laboratório abre um precedente. A organização também fez parceria com financiar os primeiros testes da vacina Covid-19.
Denis Mizne, CEO da Fundação Lemann, explica o porquê. “É verdade que trabalhar com vacinas estava fora do nosso mandato… Mas tivemos esse compromisso nos últimos 20 anos de apoiar os brasileiros e as pessoas que realmente estão enfrentando nossos maiores problemas sociais. E ficou claro no início de 2020 que o maior problema social que enfrentaremos no Brasil e no mundo foi a pandemia.”
A palavra “autossuficiência” aparece frequentemente em discussões sobre a expansão do acesso global a vacinas, e Mizne a invoca ao explicar a importância de ter uma instalação de produção doméstica para o Covid-19 e vacinas relacionadas. “O Brasil estava ficando de fora, em termos de acesso a vacinas. Ainda estamos vendo essa enorme desigualdade inata, que discutimos sobre a autossuficiência em termos de produção. E vimos aqui mais uma oportunidade de apoiar o Brasil”, na forma do novo laboratório.
A autossuficiência está relacionada não apenas à capacidade tecnológica local, mas também ao fornecimento de componentes. Até recentemente, cientistas brasileiros produziam vacinas contra a covid-19 usando ingredientes importados.
“Nunca tivemos capacidade de produzir o princípio ativo. E é isso que separa as coisas”, diz Mizne. É particularmente importante em um momento em que a pandemia interrompeu as cadeias de suprimentos globais.
A nova parcela decolou de forma relativamente rápida, embora com intenso escrutínio da mídia e atrasos em comparação com o cronograma original. De acordo com Mizne, “Fizemos em sete meses o que deveria levar dois anos”. Embora a infraestrutura estivesse pronta antes do prazo, a parte mais demorada foi a negociação do contrato.
Ele não está muito preocupado com a volatilidade política e o sentimento anticientífico que interrompe as operações do centro de vacinas. O movimento antivacinas do Brasil é relativamente pequeno dado o tamanho do país, e “é um mundo meio louco onde só o presidente é essa grande voz contra as vacinas”, acredita Mizne. Ele espera que a parceria com uma organização de pesquisa de longa data, de maneira apartidária, reforce a longevidade da nova unidade científica.
“Construir infraestrutura é o que constrói legado”, reflete Mizne. Dada a necessidade de muitas vacinas no Brasil, como uma vacina contra a dengue em desenvolvimento, ele espera que um dos legados da instalação seja a capacidade de se adaptar a futuros desafios de saúde pública. A autossuficiência é um objetivo em constante movimento.