Publicidade política no Brasil – Políticos versus músicos: duas batalhas, dois resultados

João Doria c. Marisa Monte e Arnaldo Antunes

João Doria, governador do estado de São Paulo e candidato à presidência, foi sentenciado, em 1º de fevereiro de 2022, pela Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”; Apelação nº 1077362 -28.2018). 26.8.0100) para pagamento de indenização por danos morais e materiais pela violação dos direitos autorais da música “Ainda bem” de Marisa Monte e Arnaldo Antunes em anúncio institucional publicado em sua página oficial no YouTube enquanto era prefeito de São Paulo (2017-2018).

O vídeo foi gravado em um evento, promovido pela Nike e organizado pela Prefeitura de São Paulo, para a inauguração de uma quadra esportiva, em que a música foi tocada e pôde ser ouvida como música de fundo durante o discurso de Doria. Seus autores acusaram o prefeito de usar seu cargo para se promover politicamente: Doria usou explicitamente o cargo de prefeito de São Paulo como trampolim para cargos mais altos e renunciou com menos de dois anos no cargo para se candidatar a governador.

Marisa Monte também pediu indenização por danos morais causados ​​por um segundo vídeo publicado por Doria em suas páginas de rede social em que insinuava que era uma oportunista que só entrou com a ação por dinheiro.

Em sua defesa, Doria alegou que (i) a música foi tocada durante o evento organizado pela Nike e não houve sincronia entre a música e sua fala, o que foi verificado por especialistas que analisaram o vídeo; (ii) os direitos autorais no Brasil são pagos por meio de uma taxa cobrada pela Central de Arrecadação e Distribuição (“ECAD”) ao organizador do evento (segundo Doria, Nike) e à plataforma digital (YouTube), portanto, Doria foi não é responsável por pagá-lo; (iii) não houve dano moral, pois a música de fundo não foi intencional; (iv) a verdadeira razão do caso são as diferenças políticas entre os queixosos e o réu porque, no passado, eles permitiram que outros políticos usassem suas músicas; e (v) Doria não ofendeu Marisa Monte em seu segundo vídeo, ela estava apenas respondendo a um vídeo que havia postado em suas redes sociais.

O relator do caso, desembargador Francisco Loureiro, rejeitou os argumentos de Doria sobre o pagamento de direitos autorais e destacou que a alegação dos autores de violação de direitos autorais não se baseia no não pagamento, mas no uso não autorizado da música para fins políticos, associando seu trabalho ao de Doria. imagem pública.

Além disso, o Juiz Loureiro observou que – ao postar um vídeo com música de fundo sendo tocada em um evento não é um ato ilegal por si Para usuários comuns de mídia social: o vídeo de Doria foi claramente editado por profissionais que poderiam ter alterado seu som de fundo. Portanto, o uso da música para promoção pessoal foi intencional. Como os autores da música não permitiram que Doria usasse a obra para autopromoção política, o vídeo violou a Lei de Direitos Autorais do Brasil (Lei Federal nº 9.610/1998).

Sobre a denúncia de que Marisa Monte e Arnaldo Antunes haviam autorizado outros políticos a usarem suas músicas no passado, o juiz Loureiro afirmou que o fato de um artista autorizar o uso de sua obra por terceiros não significa que ele seja obrigado a fazer o mesmo com todos os terceiros. Conforme estabelecido pela Lei de Direitos Autorais brasileira, os autores de uma obra de arte têm o direito de autorizar, ou não, seu uso por terceiros sempre que desejarem, com algumas exceções previstas em lei, como paródias.

O valor final da indenização foi calculado pelo relator em R$ 10.000,00 (aproximadamente US$ 2.000,00) para cada compositor por danos morais decorrentes da violação de direitos autorais e R$ 20.000,00 (aproximadamente US$ 4.000,00) a serem distribuídos entre os detentores dos direitos autorais por danos materiais . Por fim, o pedido de indenização de Marisa Monte pelo segundo vídeo foi indeferido após o juiz Loureiro considerar que o comentário de Doria era simplesmente uma resposta às suas acusações públicas, ato realizado dentro dos limites legais da liberdade de expressão.

Tiririca v. Erasmus e Roberto Carlos

Em 2014, dois anos antes da primeira campanha de João Doria para um cargo público, quando ele era apenas um empresário, outro político brasileiro se envolveu em um processo com compositores por violação de direitos autorais em uma propaganda política.

Tiririca, um palhaço profissional famoso nacionalmente pelo slogan da campanha “Não pode ser pior do que já é”, concorreu ao Congresso e decidiu promover sua campanha de reeleição usando uma paródia da música clássica de Erasmo e Roberto Carlos chamada ” O Portão” (“A Porta”, em português).

O vídeo começa com Tiririca vestido de palhaço, seu traje profissional, dizendo que não foi votado apenas pelo povo “comum”, mas também por “ele”. Tiririca então aparece vestido como o icônico cantor Roberto Carlos, imitando sua voz e gestos, e cantando uma paródia de “La Puerta”. Enquanto a versão original diz “Eu voltei, desta vez para sempre/ Porque este, este é o meu lugar” (“Eu voltei, agora pra ficar/ Porque aqui, aqui é o meu lugar”), o Tiririca canta “Eu votei, e eu votará novamente/ Tiririca, Brasília é o seu lugar” (“Eu votei, de novo vou Vote/ Tiririca, Brasília é o seu lugar”). No final, ele ergue um bife enorme e o elogia com uma risada: Roberto Carlos é famoso por ser vegetariano.

A EMI SONGS DO BRASIL EDIÇÕES MUSICAIS LTDA., detentora dos direitos autorais da música, ajuizou ação contra Tiririca por danos materiais com base em decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) que condenou a rede de supermercados Carrefour a pagar indenização por danos materiais por violação de direitos autorais de música, que foi utilizada em anúncio com alterações (Processo REsp 1.131.498/RJ). Como a rede de supermercados usou a música alterada para fins comerciais, não humorísticos, o tribunal considerou que a nova música não era uma paródia e, portanto, não protegida pela exceção de uso justo no art. 47[1].

Após ser condenada ao pagamento de indenização por danos materiais pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), em 27 de abril de 2017 (Apelação nº 1092453-03.2014.8.26.0100), a Tiririca recorreu ao STJ, cuja Terceira Câmara, em 05 de novembro de 2019, indeferiu o pedido do autor, aceitando que a nova versão do Tiririca era uma paródia (Causa REsp 1.810.440/SP).

O relator do caso, Ministro Marco Aurélio Bellizze, fundamentou sua decisão no fato de que (i) o Judiciário não tem competência para decidir o que é e o que não é humor; (ii) a paródia de Tiririca não ofende outros candidatos, autores da versão original, nem desmerece a canção; e (iii) Tiririca é um artista amplamente conhecido como comediante que faz muitas paródias com canções populares.

Em 11 de março de 2020, o autor interpôs novo recurso (Processo EREsp 1.810.440/SP) solicitando que a questão fosse novamente analisada pelo STJ, com base nas divergências entre a nova decisão e a anterior envolvendo o Carrefour.

Em 9 de fevereiro de 2022, o relator do recurso, magistrado Luis Felipe Salomão, proferiu sua decisão confirmando as conclusões da Terceira Câmara e afirmando que o fato de uma música ser utilizada em uma propaganda para fins comerciais ou políticos não impede torná-la uma paródia.

Além disso, o Ministro Salomão destacou os requisitos legais para uma paródia: (i) existência de certo grau de criatividade; (ii) ausência de efeito de descrédito sobre a obra original; (iii) respeito à honra, privacidade, imagem e privacidade de terceiros; e (iv) observância dos direitos morais do autor da obra original. Além disso, sob a Convenção de Berna, a reprodução não autorizada de obras de terceiros deve cumprir a “regra do teste de três etapas”[2].

Como a canção de Tiririca atendeu a todos esses requisitos, deve ser considerada uma paródia e protegida pelo art. 47.

O julgamento continuará após a suspensão solicitada pelo juiz Raúl Araújo. Enquanto isso, artistas brasileiros, incluindo Caetano Veloso, Nelson Motta e Joyce Moreno, estão se manifestando publicamente contra permitir a paródia em anúncios políticos por medo de que seus hits sejam usados ​​por políticos com os quais discordam.

Assim, caso o STJ emita sua decisão final antes das eleições nacionais de outubro de 2022, coincidindo com o juiz Salomão, o governador João Doria estará livre para promover sua campanha presidencial fazendo upload de um novo anúncio alterando a letra da música de Marisa Montes e Arnaldo Antunes. de “Graças a Deus eu conheci você” para “Graças a Deus eu conheci Doria”.

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