Peixes geneticamente modificados para brilhar em azul, verde ou vermelho sob luz negra têm sido um grande sucesso entre os amantes de aquários há anos. Mas o mascote fluorescente não está mais restrito às telas de vidro. Versões vermelhas e verdes brilhantes do peixe-zebra modificado escaparam de fazendas de peixes no sudeste do Brasil e estão se multiplicando em riachos da Mata Atlântica, mostra um novo estudo. É um exemplo raro de um animal transgênico que se estabelece acidentalmente na natureza, e uma preocupação para os biólogos, que temem que os peixes exóticos possam ameaçar a vida selvagem local em um dos lugares mais biodiversos do planeta.
“Isso é sério”, diz o ecologista Jean Vitule, da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Vitule, que não fez parte da pesquisa, diz que os impactos ecológicos são imprevisíveis. Ele se preocupa, por exemplo, que genes que conferem fluorescência de fugitivos possam acabar entrando em peixes nativos com efeitos prejudiciais, talvez tornando-os mais visíveis para predadores. “É como um tiro no escuro”, diz ele.
Visitantes indesejados são bem conhecidos pelos cientistas que usaram o peixe-zebra (danio rerio) para estudos de desenvolvimento e genética por décadas. Nativos do Sudeste Asiático, os peixes de água doce do tamanho de palitos de fósforo são naturalmente coloridos. Mas os animais foram projetados para brilhar para fins de pesquisa no final da década de 1990, dotando-os de genes de águas-vivas fluorescentes (para as cores azul e verde) e coral (para vermelho). Nos anos 2000, as empresas viram o potencial dos peixes neon como animais de estimação. Com a marca Glofish, eles se tornaram a primeira espécie geneticamente modificada do mundo a ser comercialmente disponível.
Agora, eles são um dos primeiros a escapar e prosperar na natureza. No início, os ambientalistas se preocuparam com a possibilidade, e as vendas de Glofish foram proibidas em alguns estados dos EUA como a Califórnia e vários países, incluindo o Brasil.
Em 2014, um único Glofish foi visto em canais perto de fazendas de peixes ornamentais na região de Tampa Bay, na Flórida. Mas não se multiplicou, provavelmente porque predadores nativos como o peixe-mosquito oriental (Gambusia Holbrooki) e achigã (Micropterus salmoides) comeu o intruso, diz o biólogo que avistou o animal transgênico, Quenton Tuckett, da Universidade da Flórida.
O Brasil está se mostrando mais hospitaleiro. André Magalhães, biólogo do campus principal da Universidade Federal de São João del-Rei, viu pela primeira vez grupos de peixes-zebra brilhantes nadando na bacia do rio Paraíba do Sul em 2015, em riachos lentos. As águas contornam o maior centro de aquicultura ornamental da América Latina, em Muriaé, e Magalhães diz que os peixes provavelmente escaparam de algumas das 4.500 lagoas do centro, que liberam água em córregos.
Ao contrário da Flórida, os riachos brasileiros não têm predadores locais para o peixe-zebra, e Magalhães acredita que agora estão prosperando. Em 2017, ele e seus colegas começaram a pesquisar cinco córregos em três municípios e encontraram peixes-zebra transgênicos em todos eles. A cada 2 meses durante 1 ano, eles coletaram e mediram os animais e seus ovos e analisaram o conteúdo estomacal para ver o que estavam comendo.
Os peixes se reproduzem durante todo o ano, com pico durante a estação chuvosa, assim como o peixe-zebra nativo na Ásia. Mas os peixes GM parecem atingir a maturidade sexual mais cedo do que seus ancestrais, permitindo que eles se reproduzam mais e se espalhem mais rapidamente. Os invasores também estão comendo bem: uma dieta diversificada de insetos nativos, algas e zooplâncton, relataram os pesquisadores esta semana em Estudos sobre a Fauna Neotropical e o Meio Ambiente.
“Eles estão nos estágios iniciais de invasão com potencial para continuar”, diz Magalhães. Em pouco tempo, diz ele, os peixes podem se tornar abundantes o suficiente para afetar diretamente as espécies locais, competindo por comida ou atacando-as.
Apesar da proibição da venda do peixe no Brasil, fazendas locais continuam a criá-los e lojas em todo o país os vendem como animais de estimação. Eles podem em breve colonizar outras partes do país: indivíduos isolados de Glofish foram observados em 2020 em lagoas e riachos no sul e nordeste do Brasil.
Tuckett, cujo laboratório na Flórida fica perto de fazendas americanas que cultivam centenas de milhares de peixes brilhantes, diz que a detecção brasileira “deve ser um alerta” para piscicultores e gestores de recursos naturais no Brasil. Mas ele não está muito preocupado com os impactos. Ele suspeita que os peixes transgênicos encontrarão predadores à medida que se movem para corpos d’água maiores. E as cores brilhantes dos animais os tornarão vulneráveis.
Por enquanto, os peixes brilhantes “podem ser considerados pequenas ervas daninhas que crescem no concreto”, diz Tuckett. Magalhães gosta da metáfora, mas ressalta que até as ervas daninhas podem crescer e causar muitos danos.