Disputa sobre ‘machismo’ em música do ícone brasileiro Chico Buarque

Disputa sobre ‘machismo’ em música do ícone brasileiro Chico Buarque

Nesta foto de arquivo tirada em 02 de abril de 2018, o músico brasileiro Chico Buarque ouve o ex-presidente brasileiro (2003-2011) Luiz Inácio Lula da Silva (D) durante um comício de partidos de esquerda brasileiros no Circo Voador, no Rio de Janeiro, Brasil. Imagem: AFP/Mauro Pimentel

Em 1966, a falecida cantora de bossa nova Nara Leão pediu ao ícone da música brasileira Chico Buarque que lhe escrevesse uma música sobre uma mulher sofrida esperando seu homem.

Cinquenta e seis anos depois, a canção “Com Açucar, Com Afeto” está no centro de uma tempestade no Brasil depois que Buarque disse que decidiu parar de cantá-la por críticas ao machismo em sua Letra da música.

“As feministas estão certas”, disse Buarque em uma série de documentários sobre a vida de Leão que estreou em 7 de janeiro na plataforma brasileira de streaming Globoplay.

“Sempre vou concordar com as feministas”, acrescentou a cantora, hoje uma lenda viva da música popular brasileira de 77 anos.

Isso desencadeou uma tempestade sobre a “cultura do cancelamento”, o politicamente correto e o feminismo em um Brasil que está profundamente dividido rumo às eleições em outubro que decidirão se o polêmico presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro recebe um novo mandato.

“Isso atingiu o auge da loucura! Tudo por causa das feministas. LOUCURA!” leia uma reação típica no Twitter.

“Isso levou muito tempo, não foi?” foi uma reação típica do campo oposto. “Eu sempre odiei aquela música cheia de machismo de merda. Acho que as pessoas que romantizam isso são bizarras.”

A música é escrita a partir da perspectiva de uma mulher que preparou o “doce favorito de seu homem, com açúcar e carinho”, mas está presa esperando que ele volte para casa enquanto ele está farreando em bares e cobiçando outras mulheres.

Apesar de tudo, quando ele finalmente chega em casa, ela canta: “Vou aquecer seu prato favorito… e abrir meus braços para você”.

‘Canção da mulher sofredora’

“Você tem que entender que naquela época, nunca passou pela nossa cabeça que isso era uma forma de opressão, que as mulheres não deveriam ser tratadas assim”, disse Buarque, um adorado cantor e compositor conhecido por sua voz acetinada, olhos verdes, sorriso de galã e uma carreira de seis décadas.

“Não vou mais cantar ‘With Sugar and Affection’, e se a Nara estivesse aqui, tenho certeza que também não cantaria”, acrescentou Buarque, cujo repertório inclui inúmeras canções escritas a partir da perspectiva feminina.

Leão, que morreu em 1989 aos 47 anos, é considerado um dos fundadores da bossa nova, o gênero musical sedoso e suave que evoluiu a partir do samba brasileiro na década de 1950 no Rio de Janeiro.

Buarque disse que lhe pediu uma “canção de mulher sofredora”. Ele obedeceu e passou a cantá-la também.

Mas alguns comentaristas apontaram que Buarque não cantava a música ao vivo desde pelo menos a década de 1980, descartando a briga que estourou na mídia, nas redes sociais e nos círculos culturais como uma polêmica forjada.

“Precisamos atentar para o fato de que esse episódio foi usado para protestar contra o feminismo e os movimentos sociais, supostamente responsáveis ​​por censurar criações artísticas e impor o politicamente correto”, escreveu a colunista Amara Moira no site BuzzFeed. “Nada disso realmente aconteceu. Mas nestes tempos de notícias falsas e reações de gatilho, isso pouco importa.”

Se a música e a controvérsia ao redor são história antiga ou não, elas deram origem a uma nova criação musical esta semana.

Na quarta-feira, a cantora Viviane Davoglio e a compositora Iavora Cappa postaram uma versão revisada da música no YouTube, chamada “Com Ternura e Com Afeto”.

Em sua versão, é a protagonista feminina que sai para uma noite na cidade, depois volta para casa com seu homem chorando, que aquece seu prato favorito. JB

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