Durante a maior parte de sua vida, Igor Leo Rocha sofreu de foliculite, uma condição bacteriana na qual o cabelo volta a crescer dentro da pele quando cortado, causando uma inflamação dolorosa. Comum entre homens negros, muitas vezes é confundida com acne, e o caso de Rocha não foi exceção.
Ele mora em Salvador, uma cidade litorânea do Brasil onde a maioria dos moradores são afrodescendentes. Ainda assim, nenhum dermatologista que lá consultou conseguiu diagnosticar e tratar adequadamente o problema.
Rocha, um jornalista, diz que muitos médicos que ele viu prescreveram-lhe “medicamentos fortes que o fizeram piorar. Então percebi que meu problema era específico da pele negra e que nunca tinha visto um médico negro.
Enquanto isso, o sócio de Rocha, o dentista Arthur Lima, percebeu uma demanda por serviços médicos que atendessem às necessidades de pacientes negros. “Pediram-me sugestões de dentistas negros para uma paciente que se sentia discriminada por um dentista branco”, conta Lima.
Assim Lima e Rocha se voltaram para a tecnologia e, em 2019, fundaram a plataforma AfroSaúde. “Conectamos profissionais negros e pacientes que buscam representatividade e diversidade no atendimento, bem como pacientes não negros que queiram utilizar a plataforma”, diz Lima.
Até agora, o AfroSaúde permitiu que 2.000 pacientes encontrassem e marcassem consultas com cerca de 1.000 profissionais negros no Brasil, incluindo médicos, dentistas e terapeutas. O pagamento das consultas é feito por meio da plataforma AfroSaúde, que cobra uma comissão.
Além de aumentar a visibilidade dos profissionais médicos negros, a startup visa solucionar outros problemas arraigados no sistema de saúde do país.
Brasileiros não brancos, que representam cerca de metade dos 210 milhões de habitantes do país, relataram racismo aberto ou velado durante consultas médicas, como a suposição de que os negros são mais resistentes à dor, diz Lima.
Pesquisa do Ministério da Saúde do Brasil sugere que brasileiros negros são menos propensos do que pacientes brancos a procurar atendimento médico quando estão doentes, devido a fatores como medo de discriminação e maior tempo de espera.
À medida que a pandemia de Covid-19 transferiu muitos serviços de saúde para a internet por meio de tecnologias como a telemedicina, a AfroSaúde fez o mesmo. “Embora estejamos agora a assistir a um regresso às consultas presenciais, todas as consultas marcadas através da nossa plataforma são feitas online”, diz Rocha.
Para superar o problema da baixa cobertura de internet em regiões remotas, as videoconsultas do AfroSaúde, que acontecem por meio de um navegador ou aplicativo, podem ser ajustadas para baixas larguras de banda.
Pesquisa do governo sugere que três quartos dos brasileiros dependem da saúde pública, mas continuarão a pagar por consultas particulares quando seus problemas não puderem ser resolvidos no sistema público.
A AfroSaúde atende a esse público oferecendo serviços de psicoterapia por meio de seu aplicativo, além de conteúdos para usuários corporativos, como vídeos e boletins sobre saúde mental. Um chatbot habilitado para IA para fornecer conteúdo educacional relacionado à saúde também está no horizonte, diz Lima.
A startup também está envolvida em iniciativas de impacto social, diz, incluindo um projeto para melhorar o acesso à atenção primária e especializada no sistema público de saúde. O projeto envolverá a automatização de tarefas como a reserva de consultas médicas através de uma plataforma digital.
AfroSaúde recebeu o apoio de um grupo de patrocinadores, incluindo o Google Fundo de Fundadores Negros e o grupo sem fins lucrativos We Are Family Foundation.
De acordo com Maitê Lourenço, psicóloga e CEO da BlackRocks Startups, um hub de inovação brasileiro focado em empresas de tecnologia dirigidas por empreendedores negros, há uma demanda crescente por serviços de saúde racializados no Brasil. “[Such services] eles são cruciais por causa das exigências específicas que temos como consequência do racismo em nosso dia a dia, e a tecnologia digital desempenha um papel importante na ampliação do acesso aos cuidados”, diz ele.
Mas o setor de tecnologia do Brasil deve enfrentar o racismo sistêmico para permitir que mais empresas como a AfroSaúde surjam e prosperem, diz Lourenço. “A inovação digital em saúde no Brasil tende a ser direcionada a públicos mais ricos e liderada por fundadores homens brancos, que por sua vez atraem mais investimentos.
“Isso leva à miopia no desenvolvimento e inovação de negócios e traz desafios significativos para [black-led] disruptores, pois precisam de capital para crescer e alcançar públicos mais amplos.”