Por Saulo Araujo, Diretor de Filantropia Global
Desde o início do ano, centenas de milhares de famílias enfrentaram enchentes devastadoras no estado da Bahia, Brasil. As inundações deslocaram mais de 93.000 pessoas e ceifaram 26 vidas. As pessoas estão procurando os poucos pertences que restaram e procurando freneticamente por seus entes queridos.
Essas inundações são uma tragédia. Eu deveria saber. Minha família e eu experimentamos uma inundação trágica semelhante anos atrás no estado de Pernambuco.
Muitos de nossos vizinhos se recusaram a sair de casa, movendo móveis e pequenos eletrodomésticos para telhados e improvisando barcos. Minha mãe sabia que não poderíamos salvar muito da lama, então ela lutou com unhas e dentes para arrumar alguns pertences antes que nossa casa inundasse. Foi muito traumático para todos nós, especialmente minha mãe. Sei que muitas das famílias afetadas hoje viverão com as mesmas lembranças que vivemos.
Além disso, essa tragédia é obra do homem. Nos últimos anos, o Brasil continuou a construir barragens para expandir a energia hidrelétrica do país, embora estejam causando estragos no meio ambiente e nas comunidades indígenas. E quando eles entram em erupção, o que é cada vez mais provável à medida que as mudanças climáticas pioram, eles deixam a devastação para trás.
Nesse caso, após algumas das chuvas mais intensas da história da Bahia, o transbordamento dos rios locais provocou o rompimento de duas barragens em 24 horas.
Bolsonaro ignora situação difícil das famílias na Bahia
O presidente de direita Jair Bolsonaro ignorou amplamente a crise na Bahia, um estado governado pelo partido da oposição. Seus ministros fizeram uma única aparição na região após protestos na mídia nacional. Mas até agora, sua visita não os levou a comprometer nenhum recurso federal com as famílias locais, apenas promessas vazias.
Como costuma acontecer em crises como essas, a maior parte do apoio no terreno agora vem de vizinhos e organizações locais. Vizinhos ajudando vizinhos foi o que possibilitou a passagem segura da minha família para poder chegar aos nossos parentes. Será necessária uma solução de base para ajudar as pessoas a superar isso e abordar as causas subjacentes das mudanças climáticas e dos desastres ecológicos.
MAB e outros movimentos sociais avançam
O Movimento de Atingidos por Barragens é um movimento nacional formado por cerca de 80.000 famílias deslocadas ou ameaçadas de deslocamento por hidrelétricas. Apesar dos recursos escassos, o MAB enviou diversos organizadores de outras regiões para ajudar nesta última crise.
A organização cresceu em número porque Os problemas das megabarragens no Brasil, uma bonança para as empresas de energia, só cresceram. Há anos, o movimento monitora barragens que correm risco de colapso, relatando problemas às autoridades, fornecendo soluções e, principalmente, defendendo seus direitos.
As pessoas atingidas por barragens confiam em outras famílias que vivem a mesma experiência. Eles entendem que o governo e as empresas veem os direitos das famílias afetadas como concorrentes e opostos à sua busca por lucro e poder. E como o MAB disse em uma declaração recente, “Nós [have] Aprendi que nos momentos mais difíceis da vida o melhor é lutarmos juntos”.
Enquanto isso, outros movimentos sociais no Brasil, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), também se mobilizaram para ajudar as famílias por meio da distribuição de refeições, colchões e limpeza das casas.
É fundamental que nós, nos Estados Unidos e em outros lugares, apoiemos o MAB, o MST e as famílias afetadas agora e a longo prazo. Um movimento social liderado pelos mais afetados é onde está a base do poder. E onde temos poder de base, há soluções e inspiração para outros.
Um desastre causado pelo homem acentuado pelas mudanças climáticas
Enquanto Bolsonaro joga política com a situação das famílias, a mídia no Brasil e nos Estados Unidos deu pouca atenção a uma catástrofe de tal magnitude. Conforme aponta João Pedro Stedile, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em este tweet, os verdadeiros culpados nessa bagunça estão trabalhando duro para fugir da culpa.
Uma tragédia ambiental atinge o povo baiano. O MST está ali, solidário, distribuindo alimentos e ajudando no que for possível. E onde estão as empresas que destruíram a Mata Atlântica e encheram a região com pastagens de monocultura e eucalipto? Eles vão culpar San Pedro?
– João Pedro Stedile (@stedile_mst) 27 de dezembro de 2021
A derrubada de reservas florestais para expansão do agronegócio (principalmente soja para exportação) tornou as bacias hidrográficas vulneráveis e menos capazes de alimentar os aquíferos. Sem árvores, o fluxo regular de água corrói o solo, gerando uma grande quantidade de sedimentos que esgotam a capacidade das barragens. Com mais água correndo para a superfície, as inundações são inevitáveis.
A destruição do meio ambiente para fins lucrativos, juntamente com as mudanças na distribuição das chuvas criadas pelas mudanças climáticas, resultou na perda de casas, vidas e meios de subsistência.
O MAB e as famílias da Bahia precisam do nosso apoio agora
As pessoas estão sem eletricidade ou renda há semanas.
A água em algumas áreas voltou aos níveis normais. Enquanto algumas famílias conseguiram voltar para suas casas e começar a se reconstruir, muitas outras não podem fazê-lo e devem permanecer em abrigos improvisados com instalações mínimas para higiene pessoal e culinária.
Sabendo por experiência própria, este será um momento intensamente traumático para eles. Meus parentes permitiram que ficássemos em suas casas por meses, até que meus pais pudessem pagar o aluguel de uma casinha na mesma cidade onde meus dois avós moravam. Mas muitos dos meus vizinhos não tiveram tanta sorte.
A Grassroots International, onde atuo como Diretor de Filantropia Global, já enviou US$ 10.000 para o esforço de recuperação na Bahia. Mas o MAB, o MST e outros movimentos sociais da Bahia precisam de apoio adicional. Estão fornecendo refeições, colchões e apoio médico às famílias; suprimentos de higiene pessoal e proteção contra o COVID-19; ferramentas e equipamentos de limpeza; e transporte para garantir que as famílias possam chegar aos abrigos.
Criamos um especial fundo de emergência para apoiar as famílias na Bahia. Dadas as dificuldades que estas famílias atravessam agora e nos próximos meses, apelamos a todas as pessoas de consciência para que tomem medidas imediatas e solidárias.