A temporada de busca por tweets, postagens e mensagens desinformadas sobre a nova temporada começou coronavírus. Nicolás Maduro sugeriu uma bebida caseira combater covid-19? A postagem foi removida. Bolsonaro disse: “Graças a Deus o remédio está lá” enquanto visitou um açougueiro em Sobradinho? A postagem foi removida. Regina Duarte ficou confusa ao publicar a declaração da Anvisa sobre o hidroxicloroquina? A postagem recebeu um aviso de que era “parcialmente falsa”. No meio da pandemia, o WhatsApp mais uma vez limitou o envio de mensagens.
Tempos de crise exigem ação firme, certo? Mas o que mudou para as empresas de Internet começarem a tomar medidas mais rígidas em relação ao conteúdo que circula em suas plataformas? E que lições podemos aprender com essa primeira onda de ações tomadas para combater as informações erradas relacionadas à covid-19?
O Presidente Bolsonaro geralmente se refere à redes sociais como instrumento de comunicação direta com o povo brasileiro, evitando a mediação entre a imprensa e o que é dito na mídia. Excluindo suas postagens no Twitter, Facebook e em Instagram Isso mostra que a realidade é bem diferente.
A Internet não eliminou intermediários na comunicação. Simplesmente os transformou. As empresas que gerenciam redes sociais são, como o nome revela, “plataformas” onde seus usuários criam e divulgam os mais diversos conteúdos. Eles atuam como intermediários do discurso e podem, de acordo com regras pré-estabelecidas, gerenciar como esses textos, fotos e vídeos publicados no aplicativo alcançam (ou não) outros usuários.
Depois vem a questão das regras predefinidas. Que regras são essas? O que eles estipulam? A maioria dos usuários de mídias sociais e aplicativos em geral nunca leu os “Termos de Uso” das plataformas que usam todos os dias. Esses documentos funcionam como um contrato entre o usuário e a empresa que gerencia a rede social.
Comportamentos que podem levar à suspensão ou cancelamento de contas são estipulados, além da exclusão de publicações. Acontece que os termos dos Termos são geralmente genéricos. Como saber se uma nova publicação realmente viola o contrato assinado com a rede social? E se a postagem for efetivamente removida, podemos saber exatamente o que foi violado pela disposição contratual?
É aqui que casos como os recentes servem para esclarecer a lógica das empresas que gerenciam redes sociais. As plataformas removem diariamente o conteúdo que envolve hackers, difamação, intimidação e incitação ao ódio, por exemplo, violações dos Termos de Uso. Às vezes, eles fazem isso determinando uma ordem judicial, mas também agem diretamente no conteúdo, porque ele foi denunciado por outros usuários ou identificado pela própria empresa.
Quando é um juiz que ordena a remoção do conteúdo, é mais fácil saber os motivos que levaram à exclusão do conteúdo. Basta ler a decisão. Porém, quando as empresas agem diretamente no conteúdo que supostamente viola os Termos de Uso, podemos cair em um cenário de extrema opacidade.
O combate à desinformação relacionada ao coronavírus representa um campo de teste importante para como as empresas gerenciam a remoção de conteúdo em suas plataformas e como essas medidas podem ser mais transparentes, previsíveis e auditáveis. Dada a crise global sobre o assunto, várias empresas atualizaram suas políticas para lidar com o surto de informações falsas, incompatíveis e maliciosas em execução em suas plataformas.
Excluir uma publicação de um presidente, como aconteceu com Maduro e Bolsonaro, não é uma decisão simples. O escopo de suas contas e a representatividade da posição tornam questionável se presidentes e outras autoridades nas redes sociais devem ou não ser tratadas como qualquer outro usuário. Além disso, não faltaram comentários nas mesmas redes sociais, indicando que outros governos de outros países já se saíram piores, inclusive a ameaça de bombardear países inimigos. E suas postagens não foram removidas.
Então, algo mudou na atitude das empresas, que passaram a aplicar com mais rigor as condições de seus próprios “Termos de Uso”. Mas essa mudança veio para ficar? Ou assim que a crise do coronavírus terminar, voltaremos ao mesmo regime de opacidade e subjetividade?
Nesse caso, as empresas podem perder uma segunda chance rara de recomeçar e ingressar em um momento em que todos, por necessidade, não olham para a Internet como a causa de todos os males, educando as crianças. , encobrir criminosos e descarrilar democracias.
Hoje é a Internet que, em tempos de isolamento social, permite a comunicação entre familiares e amigos. É on-line que muitas empresas conseguiram transformar a rotina de seus funcionários, que agora trabalham remotamente. O próprio Poder Público, nas mais diferentes esferas, migrou para sessões e reuniões não presenciais.
Os aplicativos de mídia social e de mensagens podem ser lembrados como parte da solução, e não como parte do problema, se eles souberem como combater a desinformação sobre o covid-19 em suas plataformas. Mas isso só será possível se eles aplicarem suas próprias regras com mais transparência, consistência e previsibilidade.
O próprio Facebook publicou recentemente um white paper chamado “Regulamento de conteúdo online“Assinada por sua vice-presidente de política de conteúdo, Monika Bickert. Lá, a empresa sugere que uma das soluções para o futuro do gerenciamento de conteúdo em plataformas é uma espécie de” transparência processual “(responsabilidade processual) De acordo com o documento, um modelo regulatório baseado em “transparência processual” poderia incluir, no mínimo, requisitos para que as empresas publiquem seus padrões de controle de conteúdo, ter ferramentas para que as pessoas denunciem qualquer conteúdo que viole esses padrões, além de oferecer uma resposta eficaz a essas notificações. Outras medidas também são indicadas, como a criação de um modelo de apelação sobre a decisão de excluir ou manter uma publicação, além de publicar relatórios periódicos sobre solicitações de exclusão.
Essas medidas são importantes porque ajudam a criar um piso em que diferentes plataformas possam desenvolver diferentes modelos de notificação, apelo e transparência. Mas vale lembrar que todas essas resoluções só funcionarão se não houver apenas transparência, mas também consistência em sua aplicação. Uma parte importante dessa mudança processual reside na capacidade das empresas de afirmarem o tempo todo o que elas mesmas prometeram fazer.
Uma regra de ouro da prática de contrato é nunca escrever algo em um contrato que você não tenha certeza inicialmente sobre se pode cumprir totalmente. Por mais bela que seja a cláusula, o instrumento contratual não é o lugar para declarações positivas, mas sem compromissos. Pelo contrário, é sempre importante se perguntar se o que você espera alcançar pode ser entregue e exigido.
A consistência também envolve questionar o que aconteceria se os termos do contrato fossem válidos para alguns e não para outros. Tomemos o exemplo de um contrato de trabalho. Qual é o efeito de demitir um funcionário que violou as regras da empresa quando se sabe que tantos outros já praticaram a mesma conduta? A punição seletiva, nesses casos, além de não terminar bem no Judiciário, também espalha desconfiança sobre os critérios para a aplicação das regras.
No caso do combate ao coronavírus, torna-se ainda mais importante entender quais são os critérios para moderação de conteúdo, principalmente quando uma questão científica, como o uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com covid-19, ganha contornos políticos. Somente então será possível avaliar a consistência dos sistemas de moderação, especialmente quando outras autoridades também compartilharem textos e vídeos na mesma direção. O conteúdo abaixo, por exemplo, foi um dos comentários positivos sobre a droga retuitada pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
Hidroxicloroquina demonstrando tratamento eficaz para o paciente com coronavírus … https://t.co/L3imNmv1ua #OANN @PearsonSharp
– One America News (@OANN) 2 de abril de 2020
As redes sociais não precisam de mais pessoas para desconfiar de seus critérios e apontar vieses a cada remoção de conteúdo e contas que afetam esse ou aquele espectro político-ideológico. Uma saída desse estado de desconforto perene envolve “transparência processual” na aplicação de suas próprias regras de maneira consistente, auditável (e talvez colaborativa, como alguns fazem ao terceirizar a verificação de fatos). Em tempos de tanta confusão e incerteza nos mais diferentes aspectos de nossas vidas, o remédio parece passar, mesmo para os dilemas das redes sociais, para obter mais protocolo e previsibilidade.