Setembro de 2021. Um caminhão estaciona no bairro de classe média Glória, no Rio de Janeiro. Uma linha se forma ao redor do veículo. As pessoas lá estão esperando para pegar um pouco da comida que o caminhão carrega: uma pilha de ossos e carcaças de animais que os supermercados jogaram fora. Essa cena se repete várias vezes por semana, segundo o jornal. Extra.
Pode ser uma das imagens mais simbólicas de 2021 da crise sem fim no Brasil.
Este ano, o país experimentou uma inflação de dois dígitos, desemprego maciço e preços ascendentes do gás e da energia. Na véspera de Natal, o pesquisador Datafolha constatou que 26% da população não consegue alimentar a família.
Mas parece que o presidente Jair Bolsonaro passou o ano passado em um universo paralelo.
Em um ciclo semelhante ao Dia da Marmota, ele repetidamente instrumentalizou o governo para sua agenda extremista, alimentou conspirações, minimizou a pandemia e ameaçou o sistema democrático, apenas para recuar em momentos táticos e esperar por uma nova oportunidade. A única diferença em relação a 2020 foi a escala de suas ações.
Aqui está uma olhada em seu terceiro ano no cargo.
Lançamento de vacinas apesar do Bolsonaro
Em dezembro de 2020, Bolsonaro atacou laboratórios que desenvolviam vacinas, alegando que uma infecção por COVID-19 fornece melhor imunidade.
Um ano depois, as coisas não mudaram muito, apesar do fato de que o Brasil registrou mais de 420.000 mortes em 2021 e Bolsonaro foi investigado por sua forma de lidar com a pandemia.
Ele se manifestou contra as crianças vacinadas, contra os passaportes da vacina e tentou intimidar os técnicos da Agência Brasileira de Regulação Sanitária. Oficialmente, ele continua sendo o único líder do G20 não vacinado.
Apesar disso, o Brasil conseguiu vacinar totalmente 66,9% de sua população no ano passado.
Mesmo quando o lançamento da vacina começou, continuou a alimentar a paranóia das pessoas sobre os golpes. Chegou ao ponto de associar falsamente as vacinas a um risco aumentado de contrair AIDS.
Sempre um pária internacional
No ano passado, o Brasil ficou ainda mais isolado. Bolsonaro perdeu aliados como o americano Donald Trump e o israelense Benjamin Netanyahu. Mais recentemente, ele viu um triunfo esquerdista no Chile.
As deficiências do governo na arena internacional tornaram-se especialmente evidentes durante a cúpula do G20 na Itália em outubro. Bolsonaro não manteve conversações bilaterais com outros líderes, além de um encontro formal com o anfitrião. Solitário e incapaz de estabelecer relacionamentos, às vezes ele tinha permissão para conversar com os garçons.
Essa deficiência também se tornou aparente quando o presidente ignorou Olaf Scholz, agora chanceler da Alemanha, em uma conversa com Recep Tayyip Erdogan, da Turquia. Scholz havia vencido recentemente a eleição alemã e estava a semanas de ser juramentado, mas aparentemente Bolsonaro não sabia quem ele era.
Críticas aos ambientalistas
O Brasil também perdeu a confiança em suas políticas ambientais. Durante a Cúpula de Líderes do Clima de 2021, as autoridades brasileiras prometeram acabar com o desmatamento até 2030, mas poucos levaram a promessa a sério.
Para piorar a situação, ambientalistas acusaram o governo de atrasar a divulgação de seus números recordes de desmatamento para evitar críticas na cúpula.
Dias antes da COP26, Bolsonaro também visitou uma mina ilegal em território indígena. Semanas depois, centenas de jangadas de dragagem extraíram ouro no rio Madeira, na Amazônia, expondo a tolerância do governo com atividades ilegais.
Lula lidera as pesquisas
No terceiro ano de Bolsonaro como presidente, o Supremo Tribunal Federal também tomou uma decisão importante que pode inviabilizar sua reeleição em 2022. Um juiz anulou todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, abrindo caminho para ele concorrer novamente ao posição.
O político de esquerda, conhecido pela maioria como Lula, foi acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, mas seus apoiadores dizem que as denúncias têm motivação política.
Após a anulação, Lula passou a liderar todas as pesquisas eleitorais. Em dezembro, 48% dos entrevistados disseram que votariam nele, segundo a pesquisa Datafolha.
Lula também fez viagens internacionais para contrastar a má reputação de Bolsonaro no exterior. Foi recebido por Olaf Scholz, pelo primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez e pelo presidente francês Emmanuel Macron, entre outros, para além de falar com deputados de esquerda no Parlamento Europeu.
Para Bolsonaro, é um cenário muito diferente do que em 2020. Ele havia encerrado seu segundo ano como presidente ainda mais popular do que antes.
Agora, com apenas 22% dos brasileiros dizendo que votariam nele nas eleições presidenciais deste ano, parece que Bolsonaro pode estar entrando em seu último ano de mandato.
Editado por RIchard Connor