Os investidores amaram o modelo chileno. Ao longo de três décadas, atingiu uma das melhores taxas de crescimento da América Latina e impulsionou a nação sul-americana mais para o status de nação desenvolvida do que quase qualquer um de seus pares. Os chilenos ficaram menos impressionados. Por trás das impressionantes estatísticas macroeconômicas sobre crescimento e inflação, eles viram uma economia que beneficiava os ricos e bem conectados, mas deixava muitos cidadãos para trás.
A desigualdade de renda no Chile está entre as piores da OCDE, embora não tenha nada a ver com os padrões da América Latina, uma região altamente desigual. O sistema de previdência privada pioneiro do país levou ao florescimento dos mercados de capitais, mas não gerou renda adequada para a primeira geração de aposentadoria. Esses inconvenientes ajudam muito a explicar a vitória retumbante do esquerdista Gabriel Boric na eleição presidencial de domingo. Um ex-líder estudantil do protesto, Boric se identificou intimamente com as demandas dos manifestantes que lotaram as ruas de Santiago nos protestos que começaram em outubro de 2019.
No governo, Boric promete implementar muitas das demandas dos manifestantes: impostos mais altos, melhores serviços públicos e uma sociedade mais verde e inclusiva. Se isso pode ser feito sem destruir a prosperidade construída nos últimos 30 anos, é a questão central que o Chile enfrenta. No último mês da campanha, Boric avançou em direção ao centro. Ele moderou os planos de aumentar os impostos em 7 pontos percentuais do PIB, observando que queria construir uma coalizão mais ampla.
Parte disso era realpolitik. Diante de um congresso dividido igualmente entre esquerda e direita, o novo presidente terá dificuldades para aprovar políticas radicais. Você pode esperar que a assembleia constituinte do Chile, onde a esquerda tem maioria, faça as mudanças mais importantes que busca ao reescrever a constituição.
Houve mensagens encorajadoras na eleição de domingo. A pesquisa em si foi realizada com decoro e eficiência democrática. Os resultados oficiais foram divulgados algumas horas após o fechamento das urnas e o candidato derrotado, o ultraconservador José Antonio Kast, cedeu imediatamente. Sebastián Piñera, o presidente conservador que deixa o cargo, deixou de lado as lembranças recentes de Boric exigindo seu impeachment para parabenizar o vencedor.
O processo, junto com as votações anteriores no Chile para uma nova constituição e um novo congresso, proporcionou um lembrete bem-vindo do poder da democracia para promover mudanças significativas. No entanto, a recente transferência de Boric para o centro e sua insistência na prudência fiscal terão de ser postas à prova.
Os riscos continuam altos. O presidente eleito não foi testado no governo e deve encontrar um equilíbrio difícil para realizar reformas profundas sem prejudicar a economia. Os investidores estão nervosos, o capital está saindo do país e a economia superaquecida esfriará rapidamente no próximo ano. Todos esses devem ser fortes argumentos para moderação, com base na escolha pragmática do ministro das finanças.
A arrecadação de impostos do Chile pode ser baixa, em 19,3% do PIB em 2020. Há um argumento para aumentá-la. Mas o Brasil e a Argentina, onde as rendas são muito mais altas, são monumentos ao que pode dar errado quando um estado inchado desperdiça recursos.
A América Latina oferece exemplos de líderes de esquerda que moderaram no poder, como o peruano Ollanta Humala ou o brasileiro Luiz Inácio “Lula” da Silva. Outros, como o venezuelano Hugo Chávez ou Cristina Fernández de Kirchner, fizeram o contrário, com resultados desastrosos. Os chilenos e investidores internacionais esperam que Boric consiga dominar uma combinação elusiva de radicalismo, competição e realismo.