Transparência é essencial para enfrentar a crise do coronavírus

Para enfrentar a crise, a transparência das informações deve ser vista como uma prioridade (Freepik)

Uma das definições fornecidas pelo dicionário Michaelis para a palavra crise é “situação desfavorável, situação anormal e grave, conflito, tensão e desordem”. Acho que todos esses termos se aplicam muito bem para descrever a situação que estamos enfrentando nas últimas semanas, devido à pandemia da coronavírus. Nenhum país, indivíduo, organização ou governo foi afetado pelos impactos negativos que esse evento gerou e, no Brasil, a situação foi agravada pela ausência de um elemento fundamental em cenários como este: transparência.

Nos últimos dias, vimos exemplos concretos que indicam a ausência disso, que é um princípio fundamental da gestão pública. Começando pelo próprio Presidente da República, que, apesar de ter sido exposto ao coronavírus, insiste em não compartilhar os resultados de seus testes para detectar a doença; isso, é claro, para não mencionar suas ações mais recentes em relação à pandemia, que são pelo menos contraditórias.

Mas, principalmente, também pudemos acompanhar os debates em torno da Medida Provisória (MP) 928/20, apresentada pelo Governo Federal, que traz mudanças relevantes a um importante mecanismo de transparência dos governos: a Lei de Acesso à Informação, também conhecido como LAI.

Há algumas semanas, falei sobre a importância de que, neste momento de profunda crise, possamos ter plena confiança nas ações do Poder Público. E a transparência da informação pública é o ingrediente mais fundamental para garantir a existência desse sentimento, conforme demonstrado por todos os países que alcançaram bons resultados no combate à pandemia.

Transparência para superar momentos de crise.

Desde 2011, quando a LAI foi aprovada, o Brasil percorreu um longo caminho com boas práticas para garantir a transparência do governo. No entanto, na última semana, o governo federal emitiu a MP 928/20, que, entre suas principais medidas, suspendeu o prazo para responder a pedidos direcionados a órgãos públicos cujos funcionários estão em quarentena, teletrabalhados ou diretamente envolvidos nos esforços. . para combater a pandemia. O STF revogou a medida, mas seu plenário ainda não fez sua avaliação final, que não tem data definida.

Reconheço a importância de cuidar dos funcionários públicos e direcionar sua força de trabalho para os esforços mais urgentes, mas o que as experiências internacionais mostraram é que a transparência pública, juntamente com as soluções baseadas em tecnologia, é uma prioridade e é essencial em tempos crise por pelo menos três razões principais.

Estamos vivendo uma epidemia na era da notícias falsas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda afirma que, além de combater a covid-19, fez esforços para enfrentar “infodêmico“- a disseminação de notícias falsas e perigosas sobre o coronavírus. redes sociais Em seu ambiente de proliferação, é também neste espaço onde as notícias falsas são combatidas: o Twitter começou a priorizar as publicações feitas por perfis de médicos e instituições de referência em saúde, e WhatsApp criou um site para aumentar a conscientização sobre o perigo de notícias falsas. E a transparência e a divulgação de informações fornecidas pelo governo devem se juntar a esse esforço.

Entre parênteses, vale dizer que nenhuma dessas medidas deve ser confundida com censura. Em 2018, tive a oportunidade de entrevista [confira abaixo] Colin Crowell, vice-presidente de políticas públicas do Twitter, destacou como a regulamentação nacional, especialmente a Estrutura Civil da Internet, fornece um importante equilíbrio entre liberdade de expressão e atividade de comunicação livre. A mensagem é: não devemos confundir a disseminação de notícias falsas e perigosas que apenas comprometem as ações de enfrentamento e contribuem para criar pânico social com o direito de que todos temos para expressar nossas opiniões.


Segunda razão: informações precisas e verificadas são essenciais para as pessoas se protegerem e evitarem o contágio. Refiro-me a algo que vai além das práticas de higiene pessoal: é necessário relatar o cenário epidêmico e as ações em andamento para enfrentar sua progressão e deterioração. Sem renunciar à proteção dos dados pessoais, é necessário comunicar quem são os doentes, onde estão e qual é o perfil epidemiológico da covid-19, algo que se torna complexo em um cenário com baixo número de pessoas. evidência. Também deve haver transparência em relação ao plano de contingência em andamento: quais ações, por quanto tempo e quem será responsável por implementá-las. Tudo isso permite colaboração, cooperação e coordenação entre todos.

Há 15 dias, um estado de calamidade pública foi reconhecido no nível federal. Entre outros impactos, essa medida altera as regras relacionadas ao orçamento público, permitindo, por exemplo, a revisão dos níveis de endividamento, despesas com pessoal e a isenção de licitações para compras públicas necessárias para combater a pandemia. Nesse cenário, a transparência é essencial, pois permite que todos monitorem as despesas incorridas e avaliem sua conformidade, evitando qualquer abuso que possa ocorrer.

Com a crise do coronavírus, ser transparente vai além de um problema democrático. Essa é uma necessidade estratégica e prioritária.

Exemplos que surgem e prosperam

Pixabay

Países como Coréia do Sul, China e Taiwan adotaram estratégias para combater o coronavírus que se baseiam principalmente na transparência das informações. Mas os exemplos não estão concentrados apenas no continente asiático. Também é importante notar que quase todas as iniciativas são baseadas em tecnologias emergentes, como inteligência artificial e análise de dados para chatbots e aplicativos para celular.

É o que mostra a Open Government Partnership, uma organização internacional que defende práticas abertas do governo e tem trabalhado para encontrar boas práticas na transparência do governo. Na sua portal, Existem exemplos muito interessantes: na Argentina, um chatbot foi criado para servir o público; Colômbia, Israel e Alemanha estão realizando hackathons e sprints para que equipes e desenvolvedores de projetos possam produzir soluções tecnológicas baseadas em desafios e dados públicos; Cingapura criou uma plataforma para analisar o perfil de casos (idade, sexo, nacionalidade e progressão de pessoas infectadas) com base em informações do governo. Além disso, o Transparência internacional criou um esforço conjunto com 13 países latino-americanos para propor medidas de integridade em compras públicas no contexto da pandemia.

No Brasil, os governos também estão emergindo como aliados importantes para garantir a transparência das informações. Alguns exemplos surgem de experiências como Saude, registrado no selo GovTech do BrazilLAB e que criou o NovoCoronavirus.info, um portal que fornece dados sobre ações governamentais no Brasil e no mundo, além de diretrizes para prevenir e combater informações falsas. Também há Universaúde, que orientou a população por meio de seu serviço de telessaúde, além de uma plataforma de análise de dados com informações que ajudam a projetar o cenário da doença no Brasil: casos confirmados, número de leitos e estimativas populacionais.

As experiências internacionais apontam para o mesmo caminho: a transparência é essencial e se torna ainda mais relevante e abrangente quando suportada por soluções inovadoras e tecnológicas.

Oportunidades

Comecei este texto com a definição da palavra crise e afirmando que ela se aplica muito bem ao que estamos experimentando. Mas o dicionário também aponta para outra possibilidade: “momento em que é necessário decidir se um problema ou o acompanhamento de uma ação deve ser realizado, alterado ou interrompido; momento crítico ou decisivo”.

Também gosto dessa explicação e acho que indica que cada crise também é uma oportunidade. Aproveitemos o momento delicado que estamos passando para investir em transparência combinada com tecnologia e que ambos possam ajudar a restaurar a confiança e credibilidade que os governos tanto precisam.

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About the Author: Edson Moreira

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